tag:blogger.com,1999:blog-24559600414157867572024-02-07T21:36:26.646-08:00blog da domesticavariedades,cinema,musica,limpeza,vinhos,culinária,paraquedismo,roteiro de cinema e literatura...blog da domesticahttp://www.blogger.com/profile/02425487318004630095noreply@blogger.comBlogger71125tag:blogger.com,1999:blog-2455960041415786757.post-64091595814424826722013-04-11T13:45:00.000-07:002013-04-11T13:46:26.191-07:00<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiikJ8KYwAUD9TssjCQMR7lmW0vpKudfzYsy1e2pvlg-UlbtFPrYyxIg53g-Tix1qxVDDYMbZLIrkQUZs0PZIokcNags1Mpm-FepkwvFmlECkgSCPBfw_R66E3WRu_iQ78fGXqlGxzA_0g/s1600/As+noites+delas+-+conto..jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="480" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiikJ8KYwAUD9TssjCQMR7lmW0vpKudfzYsy1e2pvlg-UlbtFPrYyxIg53g-Tix1qxVDDYMbZLIrkQUZs0PZIokcNags1Mpm-FepkwvFmlECkgSCPBfw_R66E3WRu_iQ78fGXqlGxzA_0g/s640/As+noites+delas+-+conto..jpg" width="640" /></a></div>
<br /></div>
blog da domesticahttp://www.blogger.com/profile/02425487318004630095noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2455960041415786757.post-12334882177875552762012-04-29T07:48:00.001-07:002012-04-29T08:05:23.824-07:00Carmina e João - conto<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on"><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj2gMhGx2vLmb9qcUEJ5MBV9TYbii6T48hUpi9k63oBQU575KPImP3BpVURkGxNvJlNwZBMk5NXZHEiiZ3trtEbUtFp1RaqzG_oo5oVc0z43R6yd_2xpNZz71pJbMyuyhgWIiRtavDTA3s/s1600/carmina+e+jo%C3%A3o..jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="516" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj2gMhGx2vLmb9qcUEJ5MBV9TYbii6T48hUpi9k63oBQU575KPImP3BpVURkGxNvJlNwZBMk5NXZHEiiZ3trtEbUtFp1RaqzG_oo5oVc0z43R6yd_2xpNZz71pJbMyuyhgWIiRtavDTA3s/s640/carmina+e+jo%C3%A3o..jpg" width="640" /></a></div><br />
<br />
<div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: normal; margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="background: white; color: #2a2a2a; font-size: 12pt; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;"><span style="font-family: Calibri;"><span style="color: #4c1130; font-size: x-large;"> N</span>aquela manhã de maio, de mãos dadas, estavam eles casados e diante da nova casa rural onde os amigos e familiares os esperavam. Vinhos perfumados, um modesto almoço, cantorias de pássaros e o vento nas folhas dos bambus que percorriam toda a estrada até a porteira. Era tudo felicidade no casamento de Carmina e João, um homem, uma criatura que nasceu embriagada pela existência rústica e grosseira que lhe foi oferecida, imposta por 26 anos – sua idade de ouro. A bela esposa Carmina nascera do outro lado da floresta e conhecera João nas feiras que frequentavam nos lugarejos próximos. </span></span><br />
<br />
</div><div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: normal; margin: 0cm 0cm 0pt;"></div><div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: normal; margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="background: white; color: #2a2a2a; font-size: 12pt; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;"><span style="font-family: Calibri;">João tinha absoluta certeza em suas previsões e seus acertos baseados em acontecimentos passados. E podia distinguir as coisas do mundo apenas no olhar. Carmina tinha em sua mente um tipo distinto de realidade alternativa num mundo compreensível. E todas as coisas eram finitas, inclusive o próprio infinito. Assim, um incontrolável desejo os uniu. João acreditava que seu amor pela esposa era um dom de Deus, enquanto Carmina dizia serem apenas fluidos produzidos no cérebro, uma herança do nosso passado cósmico, a gravidade.</span></span><br />
<br />
<br />
</div><div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: normal; margin: 0cm 0cm 0pt;"></div><div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: normal; margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="background: white; color: #2a2a2a; font-size: 12pt; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;"><span style="font-family: Calibri;">No maio seguinte Carmina completaria 18 anos de idade. Uma bruta tempestade caminha naquela manhã, ouve-se o relinchar dos cavalos, o vento derruba os galhos pelos telhados e eles dormem de mãos dadas, como para um adeus.<o:p></o:p></span></span></div><div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: normal; margin: 0cm 0cm 0pt;"></div><div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: normal; margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="background: white; color: #2a2a2a; font-size: 12pt; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;"><span style="font-family: Calibri;">Ossos brancos saíam das areias amarelas que cercavam uma antiga floresta, quase petrificada, e macacos bugios choravam acocorados sobre os túmulos abandonados. João acordava no meio do mesmo sonho, quase sempre, desde o dia do desaparecimento de Carmina, que sumiu enquanto dormia ao seu lado. Sua busca era incansável e, por quase dez anos, dormiu a céu aberto, em beiradas de rios e em taperas onde armava a rede de dormir. Caminhava sempre sozinho, pouca bagagem e na mala ainda algumas roupas dela, que serviam de alento por todos estes anos de busca.<o:p></o:p></span></span></div><div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: normal; margin: 0cm 0cm 0pt;"></div><div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: normal; margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="background: white; color: #2a2a2a; font-size: 12pt; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;"><span style="font-family: Calibri;">João virou um nômade mas, depois de quase 30 anos, as coisas vão mudando e aquelas estradas empoeiradas tinham como evolução pequenos lugarejos, feiras onde se vendiam de tudo e serviam como um jornal para noticiar aos moradores dos arrebóis. E ele ficou conhecido por uma vasta região como “João da craviola”. Trata-se de um instrumento musical que lhe servia de voz e, assim, ele soprava seus lamentos em céus noturnos na esperança de um dia poder ao menos olhar sua esposa antes de morrer. João tinha os pés brutalizados pela terra dos caminhos e nunca mais voltou para sua casa onde ainda rumores de asas murmuram sobre as folhas dos bambus.</span></span><br />
<br />
<br />
</div><div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: normal; margin: 0cm 0cm 0pt;"></div><div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: normal; margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="background: white; color: #2a2a2a; font-size: 12pt; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;"><span style="font-family: Calibri;">Pássaros migratórios cruzam o céu acinzentado de um mês de julho. João caminha por areias amarelas onde ossos de animais brilham brancamente e pelos túmulos bugios fazem suas moradas. Mas João esquecera o motivo da sua jornada. Agora vagava numa espécie de embriaguez permanente. E no braço da craviola trazia uma roupa dela amarrada. O homem estava no território de seus sonhos, um lugar real e habitado por seres humanos, mas para ele aquilo era apenas outro sonho, porque esquecera todos os sonhos antigos.</span></span><br />
<br />
</div><div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: normal; margin: 0cm 0cm 0pt;"></div><div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: normal; margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="background: white; color: #2a2a2a; font-size: 12pt; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;"><span style="font-family: Calibri;">Nas proximidades havia rochedos, antigas construções em pedras que se entrelaçaram com cipós, onde macacos brincavam. Ali morava uma criatura, quase humana, embora temida por toda região. Ela cuidava dos bugios e tinha uma esposa e filhos. Todos o chamavam de Priapo, inclusive ela, Carmina sua mulher e companheira por mais de 40 anos.</span></span><br />
<br />
</div><div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: normal; margin: 0cm 0cm 0pt;"></div><div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: normal; margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="background: white; color: #2a2a2a; font-size: 12pt; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;"><span style="font-family: Calibri;">Carmina passeava pelos campos de areias amarelas onde despejava restos e ossos de animais consumidos por Priapo e sua família. E viu aquele homem que lentamente arrastava os pés e puxava um instrumento musical amarrado com uma roupa avermelhada. Era um homem velho, era João, seu primeiro amor. Foi então que ela olhou para o céu e nuvens montaram as imagens dos acontecimentos passados há muitos anos. Naquela manhã, quando completara um ano de casada com João, o temporal desabou sobre sua casa e aquele homem a roubou de seu marido enquanto dormiam. </span></span><br />
<br />
<br />
</div><div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: normal; margin: 0cm 0cm 0pt;"></div><div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: normal; margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="background: white; color: #2a2a2a; font-size: 12pt; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;"><span style="font-family: Calibri;">Ela caminhou em passos largos rumo ao andarilho e recordava de tudo - do velho Priapo, um fauno que rondou toda sua infância, expondo o falo duro e enorme para ela. E quando completara 18 anos de idade a sequestrou para aquele lugar. Ali soluçou por noites de invernia, seviciada pela lacônica devassidão daquele homem anormal, até que seu corpo começou a sentir um prazer estranho a todos que já sentira. E com ele ficou e nunca quis partir, tornou-se sua mulher.</span></span><br />
<br />
<br />
<br />
</div><div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: normal; margin: 0cm 0cm 0pt;"></div><div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: normal; margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="background: white; color: #2a2a2a; font-size: 12pt; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;"><span style="font-family: Calibri;">João ficou parado e não conseguia saber quem era a criatura bonita que caminhava em sua direção. Eles se encontraram e ela segurou em suas mãos envelhecidas, grossas e empoeiradas.</span></span><br />
<br />
</div><div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: normal; margin: 0cm 0cm 0pt;"></div><div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: normal; margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="background: white; color: #2a2a2a; font-size: 12pt; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;"><span style="font-family: Calibri;">- João, você é meu marido João! disse Carmina, fitando-o com o encanto de uma noite de safira nos olhos mareados.</span></span><br />
<br />
<br />
</div><div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: normal; margin: 0cm 0cm 0pt;"></div><div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: normal; margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="background: white; color: #2a2a2a; font-size: 12pt; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;"><span style="font-family: Calibri;">- Você sabe o meu nome? João tinha a voz trêmula, rouca e naquele momento esquecera até as palavras. Carmina o abraça fortemente, mas o velho não se lembra da mulher, está demasiadamente cansado e vai ao chão nas areias quentes e amareladas. Ela segura sua cabeça fortemente contra seu ventre e afaga o rosto enlameado por restos de estradas e suores.</span></span><br />
<br />
</div><div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: normal; margin: 0cm 0cm 0pt;"></div><div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: normal; margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="background: white; color: #2a2a2a; font-size: 12pt; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;"><span style="font-family: Calibri;">João suspira e o vento cessa bruscamente. Paira um selvagem silêncio no espaço. Ouve-se um angustiante gemido que vem do coração daquela mulher, formando um cruel concerto que aumentou o aspecto trágico daquela manhã. Ele permanece no colo de Carmina, geme e solta pelo olhar palavras sem sentido.</span></span><br />
<br />
</div><div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: normal; margin: 0cm 0cm 0pt;"></div><div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: normal; margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="background: white; color: #2a2a2a; font-size: 12pt; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;"><span style="font-family: Calibri;">- Você é a moça dona dos passarinhos? pergunta João, quase sussurrando.</span></span><br />
<br />
</div><div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: normal; margin: 0cm 0cm 0pt;"></div><div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: normal; margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="background: white; color: #2a2a2a; font-size: 12pt; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;"><span style="font-family: Calibri;">- Que passarinhos são estes, meu amado? indaga ela, inclinando a cabeça e a colocando bem </span></span><br />
<br />
<span style="background: white; color: #2a2a2a; font-size: 12pt; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;"><span style="font-family: Calibri;">pertinho de João.<o:p></o:p></span></span></div><div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: normal; margin: 0cm 0cm 0pt;"></div><div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: normal; margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="background: white; color: #2a2a2a; font-size: 12pt; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;"><span style="font-family: Calibri;">- Os passarinhos eram muito pequenos, minúsculos e negros. Talvez o vento tenha derrubado seu ninho. Os filhotes ficaram ao relento, eu cuidei deles. E por três dias eu os alimentei com um grão de arroz cozido que dividia em três e depois cuidadosamente espetava numa agulha e com uma gotícula de água eles sobreviveram...</span></span><br />
<br />
<br />
</div><div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: normal; margin: 0cm 0cm 0pt;"></div><div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: normal; margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="background: white; color: #2a2a2a; font-size: 12pt; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;"><span style="font-family: Calibri;">A mulher tenta compreender a história dos minúsculos passarinhos, mas acredita que aquele homem está em seu estertor final.</span></span><br />
<br />
</div><div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: normal; margin: 0cm 0cm 0pt;"></div><div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: normal; margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="background: white; color: #2a2a2a; font-size: 12pt; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;"><span style="font-family: Calibri;">- E o que aconteceu com os passarinhos? pede ela para continuar.</span></span><br />
<br />
</div><div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: normal; margin: 0cm 0cm 0pt;"></div><div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: normal; margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="background: white; color: #2a2a2a; font-size: 12pt; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;"><span style="font-family: Calibri;">- Eu não tive culpa... exclama João! As duas avezinhas negras encontraram o ninho refeito e seus filhotes que eu havia cuidado. A fêmea sempre trazia comida e numa dessas saídas foi que adormeci e descuidei do ninho onde os filhotes aguardavam juntos com o pai. Mas o macho e os filhotes foram comidos por outra ave muito grande. De volta, a fêmea ficou contemplando o gavião voar para o horizonte. Essa história me eleva a melancolia!</span></span><br />
<br />
</div><div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: normal; margin: 0cm 0cm 0pt;"></div><div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: normal; margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="background: white; color: #2a2a2a; font-size: 12pt; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;"><span style="font-family: Calibri;">- É uma história muito triste; onde estavam estes passarinhos, João? pergunta Carmina com a voz intrigada.</span></span><br />
<br />
<br />
</div><div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: normal; margin: 0cm 0cm 0pt;"></div><div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: normal; margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="background: white; color: #2a2a2a; font-size: 12pt; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;"><span style="font-family: Calibri;">João procura com os olhos as nuvens distantes e depois os olhos negros de safira daquela mulher que lhe afaga ternamente.</span></span><br />
<br />
</div><div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: normal; margin: 0cm 0cm 0pt;"></div><div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: normal; margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="background: white; color: #2a2a2a; font-size: 12pt; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;"><span style="font-family: Calibri;">- Você é a moça dona dos minúsculos passarinhos negros? indaga João, novamente, como se tentasse recordar de alguma coisa. Os passarinhos fizeram seu ninho nas folhas dos bambus. Você não é a dona daquela casa onde o vento faz as folhas dos bambus murmurarem ao meio-dia?</span></span><br />
<br />
</div><div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: normal; margin: 0cm 0cm 0pt;"></div><div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: normal; margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="background: white; color: #2a2a2a; font-size: 12pt; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;"><span style="font-family: Calibri;">João morreu nos braços de Carmina era quase meio-dia. Um vento morno soprou por todo areal e pedras. E, ao longe, no alto de uma pedra, Priapo, suas filhas e centena de bugios, passivamente, olhavam para eles dois no meio das areias amarelas.</span></span><br />
<br />
<br />
<br />
</div><div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: normal; margin: 0cm 0cm 0pt;"></div><div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: normal; margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="background: white; color: #2a2a2a; font-size: 12pt; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;"><span style="font-family: Calibri;">Fim<o:p></o:p></span></span></div><div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: normal; margin: 0cm 0cm 0pt;"></div><div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: normal; margin: 0cm 0cm 0pt;"><br />
</div><div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: normal; margin: 0cm 0cm 0pt;"></div><div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: normal; margin: 0cm 0cm 0pt;"><br />
</div><div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: normal; margin: 0cm 0cm 0pt;"></div><div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: normal; margin: 0cm 0cm 4.6pt;"><br />
</div><div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: normal; margin: 0cm 0cm 0pt;"></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt;"><br />
</div><div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: normal; margin: 0cm 0cm 0pt;"></div></div>blog da domesticahttp://www.blogger.com/profile/02425487318004630095noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-2455960041415786757.post-15806276859619998492011-10-10T04:57:00.000-07:002011-10-10T04:57:08.178-07:00O indez - conto<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on"><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiQw5j1DN8oahJYAM8A_FLn0FJ6OaaIvcKSEjXhZAwrJO8Hua6YBgg7hW_1WvB079x-4-P2sX3WS6wt8P9UrH9t3RWskDVUikBewhNVmfeWiyprJ4CCEo1_PHBtWuSNOYTFiljcP6v1x1k/s1600/O+indez-web-blog2.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="344" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiQw5j1DN8oahJYAM8A_FLn0FJ6OaaIvcKSEjXhZAwrJO8Hua6YBgg7hW_1WvB079x-4-P2sX3WS6wt8P9UrH9t3RWskDVUikBewhNVmfeWiyprJ4CCEo1_PHBtWuSNOYTFiljcP6v1x1k/s640/O+indez-web-blog2.jpg" width="640" /></a></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><br />
</div><span style="font-family: Calibri;"><span style="font-size: large;"><strong>O</strong></span> Terra-de-siena-queimada, o amarelo e a cor laranja com pinceladas curtas – como os impressionistas -, os verdes e musgos viram folhas das ervas aquáticas, o banco de areia marrom esfumeado e, num único traço, de um pincel largo, a cor branca vira um ovo. Tremeluz espectralmente o sol, como o ouro de Van Gogh e as águas refletem o céu. As nuvens são esbranquiçadas e leves, o vento é sereno e as gaivotas do rio Paraguai estão pousadas, aproxima-se do meio-dia. Mão fina e hábil risca com o cabo do pincel no canto inferior esquerdo, “Mimi, 1977”.</span><br />
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt;"><span style="font-family: Calibri;">Pintava com tinta a óleo e tinha o hábito de fazer uma paisagem por dia. Retratava o rio Paraguai como uma sonata de rangidos de barcos, onde borrifos de tintas eram convertidos em bancos de areia sonoros, nuvens errantes e aves que piavam arias. Naquela manhã havia fragmentos do inverno no ar e ele pintou, mimou-o de cores frias, um ovo, grande e desconhecido que dormia sobre as areias e restos de plantas. Mimi levou o ovo para casa.</span></div><br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt;"><span style="font-family: Calibri;">O vento faz flutuar suas mangas manchadas de tintas, que esvoaçam ao remar a pequena embarcação de madeira. Segue por uma alameda bordada de barcos rústicos e, ao fim, o porto onde ele mora sozinho. Sua casa é uma draga abandonada e ancorada na beira do rio, com ferrugens em tom safira amarela, cortinas de teias de aranhas e um jardim de camalotes. Ambígua criatura, suscetível, tinha ectopia de alma e ninguém sabia se era um homem ou uma mulher. Mimi vendia quadros no coreto da praça em Corumbá e bebia cervejas bolivianas com ovos coloridos.</span></div><br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt;"><span style="font-family: Calibri;">Relincham tristemente os mastros e um pálido azul paira no céu; as águas da superfície enrrugam calmamente e um perfume de peixes fritos vem embalsamar o ocaso daquela manhã encantada na beira do rio Paraguai. Mimi e seu coração de moço bebem cervejas bolivianas, incessantemente. Luz e sombras sobre seu corpo seminu, que cantarola e dança com o copo de cerveja trocando de mão. Ele cozinha ovos de galinhas para o almoço, inclusive o grande ovo encontrado e que também foi pincelado por ele numa tela de algodão.</span></div><br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt;"><span style="font-family: Calibri;">Os barcos, xavecos e casas flutuantes bailam sobre as águas calmas, que nessa hora da tarde cintilam o esplendor de um azul em chamas, que sobe como um muro sobre o porto e a cidade. Mimi caminha dançando para o segundo andar da draga, ferros enferrujados retorcidos em céu aberto onde guarda cavaletes, tintas e apetrechos da sua arte e varais. Sobre a mesa de madeira manchada de tintas secas, ele tira as cascas dos ovos e continua a beber cervejas com sal. Aquele ovo grande também foi cozido em fogo brando por meia hora, mas parecia estar vivo no meio do prato. Mimi cede atenção para as enigmáticas e contínuas batidas que vêm de dentro do ovo – como se alguém batesse numa porta fechada -, algo vivo querendo sair.</span></div><br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt;"><span style="font-family: Calibri;">Com a ponta da faca Mimi faz um furo na casca do ovo deixando escapar um sopro de vapor. É quando o ovo se craquela em inúmeros pedaços, revelando uma ave grande, desconhecida e quase morta pela quentura. Sem penas, bico amarelado, tinha a pele rubra e respiração ofegante. A tarde recende a peixes vivos e há um profundo transparente no céu de agosto. Passam plantas errantes de flores brancas. São ninhos do puro esplendor que carregam coisas vãs, que só o rio sabe, são perdidas, vão para o mar e não voltam mais. Mimi treme ante a visão daquele conto, um milagre, um enigma da vida. Um ovo que chegou de algum lugar do oceano Pacífico, arrastado por plantas e agora uma ave que seria sua eterna companheira.</span></div><br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt;"><span style="font-family: Calibri;">O albatroz-viajeiro cresceu e suas penas brancas eram como pinceladas longas. Um fio azulado, quase preto, saía dos cantos dos olhos e terminava no pescoço. Tinha uma envergadura acima dos três metros. Voava rente aos mastros e telhados do casario do porto, aprendeu a bailar no espaço e aderiu ao exicio dos humanos. Junto de Mimi degustava cerveja com lambari-do-rabo-vermelho. E por concordância e fé de alguns moradores, o albatroz foi nomeado de Lourenço – por ter sobrevivido ao fogo. Foi assim que Mimi e Lourenço escolheram viver, cronometrando tudo a uma perfeição relativa de um bater de asas, de modo a não perder os cortejos, não perder a mão das pinceladas de cores quentes em dias frios, a não perder o gosto da cerveja boliviana e os velórios que ainda estariam por vir.</span></div><br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt;"><span style="font-family: Calibri;">E foi numa tarde fria, quinze anos depois. Depois de mil litros de cervejas, incontáveis peixes e tubos de tintas. Depois de mil noites insones, imersas em puro esplendor, um festival de coisas sem sentido e enigmática felicidade, que Mimi morreu como o cair de uma pétala malsonante. Lourenço não era humano, mas sentia o deserto e o silêncio no colóquio da noite e das águas do rio Paraguai, sem a voz de Mimi. E quando o musgo cobriu o túmulo de seu companheiro, já tinha se passado vinte anos. E, no porto de Corumbá, ainda se ouvia o brado do bater das asas de Lourenço por eternas noites.</span></div><br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt;"><o:p><span style="font-family: Calibri;"> </span></o:p><span style="font-family: Calibri;">fim </span></div></div>blog da domesticahttp://www.blogger.com/profile/02425487318004630095noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-2455960041415786757.post-85773978505921285432011-09-11T13:18:00.000-07:002011-09-11T13:18:42.403-07:00Existência e suavidade - conto<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on"><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgWUmmyZSkJS-rdDF53yfYmr218nJRkorAQZtCRZxCcvbhzFnU99Htqut4x7wQWci0vqfIkZWPgjnORTPzE6JJuuuwf-0cQkIOm8sNlK7-EOTI9yyB9QRV0kvmYEs310v1lokK3NAjVbYM/s1600/exist%25C3%25AAncia+e+suavidade-blog+da+domestica.bmp" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="344" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgWUmmyZSkJS-rdDF53yfYmr218nJRkorAQZtCRZxCcvbhzFnU99Htqut4x7wQWci0vqfIkZWPgjnORTPzE6JJuuuwf-0cQkIOm8sNlK7-EOTI9yyB9QRV0kvmYEs310v1lokK3NAjVbYM/s640/exist%25C3%25AAncia+e+suavidade-blog+da+domestica.bmp" width="640" /></a></div> <br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt;"><span style="font-family: Calibri;"><span style="font-size: x-large;"> O</span> dia chegava ao fim. As poucas nuvens no céu refletiam um amarelo triste e transfigurador da noite. Licerre chegou à beira do rio com seus apetrechos de pesca no horário de sempre. E, como todos os dias, sentou-se pelo barranco, tirou os sapatos e mergulhou os pés dentro da água fria. Acomodado, acendeu um cigarro de palha, atirou um anzol no meio do rio e esperou. Ao manar das horas, os bugios ficam em silêncio, mas ainda paira uma confusão de ruídos e cores translúcidas sobre as águas que murmuram em pequenos vórtices, espalhando luzes por todos os lados. Licerre acendeu outro cigarro de palha - a fumaça dança sobre as águas junto às sombras que, como uma ilusão, funde seus sentidos. Ele ouve a vegetação, crescendo junto com crepusculários rumores, e a água, fluído misterioso, equação matemática e sem resposta para o homem, que jorra em seu crépido usual. A linha de pesca desliza, corre em ângulos retos, fazendo barulho, zunido, como uma nota musical avisando que um peixe fora fisgado.</span></div><br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt;"><span style="font-family: Calibri;">- Hoje é o meu dia. Opa, deixei meu cigarro cair, disse Licerre enquanto retirava os pés da água e, com grande força, puxou um peixe para fora do rio. Era um peixe enorme e, por alguns segundos, ele se contorceu brilhante e cheio de reflexos, deixando exalar um cheiro característico das criaturas aquáticas.</span></div><br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt;"><span style="font-family: Calibri;">Licerre colocou o peixe no cesto de samburá ao seu lado. Retornou os pés para dentro do rio e mais uma vez jogou o anzol na água.</span></div><br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt;"><span style="font-family: Calibri;">- Fico espantado e até escabreado com tanto enigma neste mundo. Que substância é esta que perambula sem cor ou sem forma, e cria e recria seres maravilhosos iguais a você? Licerre falou com o peixe, enquanto acendia o último cigarro de palha que guardara preso na orelha.</span></div><br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt;"><span style="font-family: Calibri;">- Você é um homem? perguntou o peixe com voz pequena e abafada.</span></div><br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt;"><span style="font-family: Calibri;">- Eu sou um homem! Uma criatura nascida em fluido, igual a você. Inclusive, os nossos sonhos se formam num lago de substâncias líquidas, disse Licerre, sem alterar a voz, e como se fosse normal conversar com um peixe.</span></div><br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt;"><span style="font-family: Calibri;">- Então, eu sou um peixe, como você me chama. Pra que sirvo? O grande peixe tem dificuldade para respirar. Suas guelras pulsam incessantemente e tem a voz muito fraca.</span></div><br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt;"><span style="font-family: Calibri;">- Você é um peixe, sim! Um ser maravilhoso, belo e somente a natureza é capaz de produzir algo tão extraordinário e sem explicação. Não saberia responder sobre sua serventia. Os homens sabem coisas porque são dotados de sentidos, mas também não sabemos porque existimos. Você está falando igual a um humano! E como isso pode acontecer? O homem fica admirado, olhando o peixe se contorcer, enquanto fala.</span></div><br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt;"><span style="font-family: Calibri;">- Eu não sei porque estou falando como um homem. Estou esquecendo tudo e não consigo nem lembrar como era embaixo dessas águas. Explique melhor o que é um sentido? – fala o peixe, compassadamente.</span></div><br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt;"><span style="font-family: Calibri;">Com as duas mãos feito concha, Licerre apanhou água fria e jogou sobre o corpo do peixe.</span></div><br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt;"><span style="font-family: Calibri;">- Posso devolver você para o rio, mas, antes, tentarei explicar sobre os sentidos. </span></div><br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt;"><span style="font-family: Calibri;">Licerre pega o peixe com as duas mãos, levanta na altura da sua cabeça e mostra o rio, a água que segue em silêncio desbordando o chão – mostra-lhe o céu, as alturas e as luzes distantes. - - Tudo isso existe! Eu sei disso porque tenho meios através dos quais percebo e reconheço o mundo, o nosso mundo. E você possui alguns desses sentidos, como, por exemplo, reconhecer o ambiente, a água e retirar dela tudo o que você precisa para viver.</span></div><br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt;"><span style="font-family: Calibri;">- E pra que viver, se você vai me devorar e sempre vão me devorar? </span></div><br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt;"><span style="font-family: Calibri;">- Não farei isso! Vou devolvê-lo para seu lugar no rio. Você jamais compreenderia como funcionam os sentidos de criaturas como nós. Temos algo a mais, somos dotados de entendimento. A inteligência do homem fica aqui, na cabeça, num lugar chamado cérebro. Neste lugar é que nasceram o entendimento, a razão e a civilização.</span></div><br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt;"><span style="font-family: Calibri;">- Inteligência, civilização e razão! Como vocês homens sabem sobre tudo isso? pergunta o peixe, angustiado.</span></div><br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt;"><span style="font-family: Calibri;">- Não sabemos muitas coisas, mas sabemos mais que um peixe. Sabemos sobre nosso mundo e nosso universo baseados em ecos que observamos e analisamos. Aprendemos sobre leis naturais que governam e, em parte, como estas leis funcionam graças às coisas para as quais demos nomes, como a matemática, a física e a ciência. Olhe para cima e veja quantas luzes! São mundos, milhares, incontáveis possibilidades de vidas e charadas sem respostas. Na tentativa de obter algumas respostas para tal realidade é que criamos a filosofia e nos perdemos em oceanos de fluídos, inclusive o medo. E logo concluímos que até as águas morrerão; eu também morrerei um dia - e para sempre.</span></div><br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt;"><span style="font-family: Calibri;">- Eu nunca senti isso que sinto agora. Por favor, não me deixe nestas águas sem luzes, tenho medo de ser devorado por outras criaturas, tenho medo, muito medo! E o que é oceano? <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>pergunta o peixe, bem baixinho.</span></div><br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt;"><span style="font-family: Calibri;">- Não posso deixar você morrer fora do seu mundo. Oceano é feito desse mesmo fluído enigmático que nos gerou, a água é salgada e você não sobreviveria em seus abismos, onde desembocam todos os rios deste mundo. Você sempre teve esse medo? indagou o homem.</span></div><br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt;"><span style="font-family: Calibri;">- Não me lembro! Sei que gostaria de não saber nada, como sempre foi. Agora eu possuo este alheio sentimento. Vou morrer em breve, mas, por favor, não me jogue vivo no rio! Deixe-me morrer bem quietinho aqui, ao seu lado. A minha boca dói, está machucada, foi você quem fez isso.</span></div><br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt;"><span style="font-family: Calibri;">- Pela tua visão isto se chama mal! É algo relativo e também foi inventado pelo homem, creio eu. Licerre enxugou o sangue que escorreu da boca do peixe e, depois, acomodou o corpo quase sem vida do animal. Você precisa viver! Eu deveria colocar você de volta neste rio, é incompreensível o que você está pedindo. Por que você não quer viver? E por que eu te compreendo?</span></div><br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt;"><span style="font-family: Calibri;">O peixe, ainda em agonia, sussurra no ouvido do homem.</span></div><br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt;"><span style="font-family: Calibri;">- Porque tenho medo! Tenho muito medo da escuridão e medo de ser devorado por outros. Se voltar para estas águas também morrerei. Nasci para ser devorado, apenas isso! E agora que sei sobre o oceano e a existência perdi a vontade, tudo perdeu o sentido e eu não recordo de mais nada! </span></div><br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt;"><span style="font-family: Calibri;">E foram as últimas coisas que o peixe falou antes de morrer.</span></div><br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt;"><span style="font-family: Calibri;">Cores cheias de melancolia mudavam a aparência da noite. Licerre pegou o peixe com as duas mãos e o soltou, suavemente, num redemoinho. Lavou os pés enlameados, juntou as coisas e foi embora, seguido pelos vagalumes.</span></div><br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt;"><span style="font-size: x-large;"><o:p><span style="font-family: Calibri;"> <span style="font-size: large;"><strong>f</strong></span></span></o:p></span><span style="font-family: Calibri; font-size: large;"><strong>im</strong></span></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"></div><br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt;"><br />
</div><br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt;"><br />
</div></div>blog da domesticahttp://www.blogger.com/profile/02425487318004630095noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-2455960041415786757.post-92020141053943459042011-08-29T10:58:00.000-07:002011-08-29T10:58:04.598-07:00Aos olhos da lagartixa - conto<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on"><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEilp8c1ijskrg_joQfcIsrDYnDXJUd423gPpb8XLvaDaRHRmifWJe2ha87X9w5G4YTWEVde3ZTYUXyjV1cdk0SyrP0X1NNDCl7Hx0Fkhw4y9hRorrw_NLQC0HI-BA8wlka9dyFnkvQo4vg/s1600/aos+olhos+da+lagartixa-web.bmp" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="215" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEilp8c1ijskrg_joQfcIsrDYnDXJUd423gPpb8XLvaDaRHRmifWJe2ha87X9w5G4YTWEVde3ZTYUXyjV1cdk0SyrP0X1NNDCl7Hx0Fkhw4y9hRorrw_NLQC0HI-BA8wlka9dyFnkvQo4vg/s400/aos+olhos+da+lagartixa-web.bmp" width="400" /></a></div><br />
<span style="font-family: Calibri;"> <strong><span style="font-size: x-large;">Q</span></strong>uando a grande lâmpada se apaga pelo lado de fora da casa, outra se acende no céu da cozinha, lugar onde vivo, com picumãs de colcha e travesseiro. Sobre a mesa há um jarro com água e flores de plástico, do qual pego minha comida preferida. Também há um corredor, uma alameda como um tabuleiro quadrado no chão. Caminho por lugares longínquos da casa sem deixar rastros no céu. Durmo nos canos da nariz-de-burro, que fica pregada no quarto, ao lado da cruz sobre a cama onde eles dormem.</span><br />
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt;"><span style="font-family: Calibri;">Eles dormem sem palavras e dormem sem cuidado sobre um lençol de cetim azulado. E, no silêncio sem limites da noite, ele prova da sua boca fazendo sonoros ecos, porém, ela segue dormindo. E quando a luz furtiva passa pelo buraco da fechadura, ele acorda e do banheiro fala com voz distante e amortecida. São versos mais dolentes do que a chuva, café da manhã e fagulhas que voam sobre ela que, doce, continua adormecida.</span></div><span style="font-family: Calibri;">Foi assim por muito tempo naquela casa, onde eu corria pelo teto e paredes, enxergando imagens geométricas que caminhavam pelo chão. E ela dormia sobre um lençol de cetim azulado. Ele fazia versos mais dolentes que o café da manhã, todos os dias. Ela seguia dormindo com fagulhas que entravam furtivamente pelo buraco da fechadura. Ele falava com a chuva fazendo sonoros ecos, sobre a cama que dormiam. </span><br />
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt;"><span style="font-family: Calibri;">Como um espelho foram todas as noites, exceto aquela em que ele a fura com seu espinho de amor. Penúria extrema golpeia seu coração ao sentir o assombro definitivo do plástico rompido, vazio e sem pulso. Eu, lá no alto, no teto, não compreendia nada, exceto o que viria depois. Ele partiu para uma eternidade fixa, ela ficou sobre o lençol de cetim azulado, sem pulso e vazia. Era uma boneca que furou; ele, era de verdade e tinha um coração.</span></div><span style="font-family: Calibri;">A casa ficou vazia. Penúria extrema golpeia meu coração. Eu, lá no alto, no teto, não compreendia o vazio das imagens geométricas que caminhavam pelo chão, exceto o que viria depois. A boneca ficou sobre o lençol de cetim azulado, sem pulso; ela dormia e ele partiu para uma eternidade fria. As flores de plástico murcharam e até a água do jarro secou. Às vezes ouço vozerios pelo lado de fora da casa e recordo que ele fazia versos mais dolentes que a chuva. E ela continua adormecida.</span><br />
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt;"><span style="font-family: Calibri;">Fim</span></div></div>blog da domesticahttp://www.blogger.com/profile/02425487318004630095noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2455960041415786757.post-76652813300134892902011-06-09T13:24:00.000-07:002011-06-09T13:24:17.250-07:00Singularidade - conto<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on"><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhIIhdmfAKlTaqEKVwQgeDsbN5epUaHXVEipYvvzYqKEa68lqVJJ5UM2cO2UIXKuxemBjfOFLGJoZFkn2NqsjXwZq8RwqoS7TkqrFt0rTmR_vTIvudKst5dL_Y-A8wWbGBjdizyIJF3df0/s1600/Singularidade-blog+da+domestica-arte..jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="195" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhIIhdmfAKlTaqEKVwQgeDsbN5epUaHXVEipYvvzYqKEa68lqVJJ5UM2cO2UIXKuxemBjfOFLGJoZFkn2NqsjXwZq8RwqoS7TkqrFt0rTmR_vTIvudKst5dL_Y-A8wWbGBjdizyIJF3df0/s400/Singularidade-blog+da+domestica-arte..jpg" width="400" /></a></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><br />
</div><br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Calibri;"><span style="font-size: large;"><strong><span style="font-size: x-large;">O</span> </strong></span>sol resplandece no pomar e das telhas caem sombras que margeiam a casa. De suas janelas de silêncio glacial afloram ruídos desconhecidos, compassos desiguais e hórridos, que ceifam o silêncio da manhã. Os cachorros não latiram, as aves estavam ausentes e alguma coisa enigmática e inexplicável aconteceu, pois tudo que era vivo desapareceu.</span></div><br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Calibri;">Boca seca e emudecida, olhar desértico sobre o teto do quarto, Tito acordou e já passava das seis horas da manhã - coisa que ela raramente fazia era acordar tarde. Não lembrava de nada. Caminhou pela casa vazia, ausência de vida, um ruído tilintando e constante permeava por todos os lugares, vindo do alto. O fogo apagado, o café e o chimarrão não estavam prontos. Rosa Maria, a bugrinha que trabalhava na casa, também não havia chegado. Tito abriu a porta da frente e caminhou pelo quintal, onde os cachorros deveriam estar. Nada. Silêncio, coleiras e utensílios espalhados pelo pomar. Ela olhou para o alto e o céu estava de um azul profundo, sem nuvens e sem as costumeiras aves.</span></div><br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Calibri;">Ainda de pijama, Tito percorreu a estradinha que liga sua casa até a casa do agricultor, o ajudante na pequena lavoura de cebolas. O silêncio absoluto deixava o ruído enigmático que vinha do céu a soçobrar por entre as fileiras da plantação. Na casa não havia pessoas, apenas as roupas que o homem e sua mulher vestiam e estavam na beira do fogão de lenha com borras de café. Tudo havia evaporado, corpos de criaturas grandes e minúsculas como os insetos.<span style="font-family: Times New Roman;"> </span></span></div><span style="font-family: Calibri;"><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify;">De volta para casa, Tito procurou o rádio que transmitia apenas ruídos iguais aos que ela ouvia constantemente em sua cabeça. Era um zumbido modulado, matemático, vinha de algum ponto do espaço, tinha interferência numa área de vinte quilômetros quadrados - um cone, um redemoinho ou um vórtex de luzes primitivas e sons. Abrangiam sua propriedade parte do rio Apa e uma lagoa que deveria estar repleta de marrequinhas-do-brejo e tilápias. Sem montaria, ela percorreu toda a propriedade enquanto pensava nos tempos amargos pelos quais perambulou feito um fantasma pelas ruas do porto da cidade de Corumbá, <st1:personname productid="em Mato Grosso" w:st="on">em Mato Grosso</st1:personname> do Sul. Foram anos pesados, embrutecidos pela loucura e depois a cura, como o esgar de um boi a ruminar ali, naquele lugar, seu céu e seu erebo final.</div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Times New Roman;"> </span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify;">Misteriosamente, ela perambula pelos corredores do curral e os coxos ainda estão cheios de sal. Todo gado também sumiu e Tito encontrou apenas as vestes do bugre que cuidava das vacas e retirava o leite. Ela<b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><span style="color: red;"> </span></b>jamais tinha experimentado algo mais cruel, desde a morte de seu amado, o homem que lhe salvara a vida duas vezes. E depois que ele foi embora, sua ausência a levou ao extremo limite novamente. Dizia ter dores de barriga, cólicas e ouvia loucos rugidos de trovões noturnos e paredes vermelhas derretendo diante dela. Não perdera o juízo e nem a fé depois disso, continuou a grunir quase sozinha na propriedade, mas submetera-se à vontade de Deus e seus caprichos fugidios e incertos para sempre. Agora, em seu mundo, o único pecado é tomar chimarrão três vezes ao dia, com ervas e cipós que os bugres do lugar chamam de ayahuasca, um remédio e um alívio para persistentes sonhos ruins.</div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Times New Roman;"> </span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify;">Incompreensíveis foram aqueles anos <st1:personname productid="em poeira. No" w:st="on">em que Tito</st1:personname> e seu amado chegaram naquele lugar. Havia um enxame de fantasmas, as noites eram geladas, longas e viúvas. E a todos que ali viveram foi misteriosamente concedido o mais amargo dos destinos. Os empregados da fazenda, os cachorros, cavalos e até seu amado foram mortos degolados e, depois, cuidadosamente desossados, expostos ao sol com sal grosso. Besuntada de óleos aromáticos, toda a carne dessa gente foi defumada sobre o fogão de lenha. Os ossos repousam em covas adornadas por urtigas e estercos.</div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Times New Roman;"> </span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify;">Naquela mesma noite, o ruído que vinha do espaço desapareceu e a terra foi tomada por um silêncio mortal. Cigarras, grilos, minhocas, borboletas, vagalumes e mariposas desapareceram, foram convertidos <st1:personname productid="em poeira. No" w:st="on">em poeira. No</st1:personname> céu brilham embaçadas estrelas com estilhaços de nuvens azuladas. Pela varanda da grande casa, Tito e seus olhos fundos viajam em pensamentos para um passado mais distante, quando vestia rendas e saias de padrões axadrezados cobrindo sua beleza e juventude. Saracoteios ante os espelhos iluminados, seus cabelos cor de trigo e olhos amendoados. E o que existia lá no passado?, pensava Tito, enquanto embalava a rede de dormir com o pé esquerdo. Tudo aquilo ficou gravado num picumã sobre o fogão de barro ou o passado ainda estaria calcinado numa fotografia desbotada ou até em um punhado de terra num sepulcro no curral... (?)</div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Times New Roman;"> </span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify;">Noturnal e sem os perfurantes ruídos dos cicadídeos, uma chuva-criadeira assediou a casa e trouxe insônia e frio. As árvores começaram a sussurrar, exigindo de Tito respostas da sua vida e seus dúbios teoremas. Madrugada de acerto final para sua alma, um sacrifício aos silêncios que murmuram em seus ouvidos cada tempo vivido e justificado com lágrimas e angústias inextinguíveis, como o seu plácito de amor e, por fim, a duradoura solidão. Ainda na varanda da casa teve visões do barco iluminado cujo nome era “Delírio”, mas conhecido, de Corumbá até a cidade de Assunção no Paraguai, como “barco das putas”, onde ela trabalhou durante toda a adolescência. Foi seu segredo maior e nem sua paixão teve acesso em seu coração de moça. Época de desespero, vergonha e sonhos alheios.</div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Times New Roman;"> </span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify;">Cálida chuvarada cai sobre toda a região. Tito sentiu a madrugada chegar sem o cantar dos galos, mas agora podia ouvir o ruído e sons das gotas batendo e escorrendo na terra espessa. Na manhã que chega, tudo navega para um rumo não sabido, como a chuva que cessa repentinamente, convertendo o céu num puro esmalte azulado e sem fim. Exausta, ela caminha novamente pelos corredores da casa fria.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Acende o fogo com lenhas, faz um ritual do mate-chimarrão, chaleira de ferro cheia de líquido quente, toma rumo da estrada - era quase sete horas da manhã.</div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Times New Roman;"> </span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify;">Pedras dendrias moldam o caminho com ervas daninhas. Tito toma o chimarrão lentamente, soltando baforadas de vapor enquanto percorre a entrada da propriedade que leva até a porteira principal. A estrada boiadeira que chega até ali atravessa o pantanal sul e termina no porto de Ladário, fronteira do Brasil com a Bolívia, lugares por onde ela nunca voltaria. Mais uma vez ajeita a bomba do mate-chimarrão - a água esfriou e Tito lava os olhos com a sobra morna. Um tremor pelas pálpebras molhadas e a atenção do olhar é atraída para a estrada que chega. Silhuetas escuras caminham pelas margens da via sob o olhar atento de Tito.<span style="color: #2a2a2a; font-family: "Trebuchet MS","sans-serif"; font-size: 10pt; line-height: 115%; mso-bidi-font-family: Tahoma;"> </span>Ao piscar dos olhos elas desaparecem, deixando apenas uma névoa pelo ar.</div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Times New Roman;"> </span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify;">Tito retorna para dentro da propriedade. Carrega numa das mãos a chaleira de ferro vazia e suas pernas mirradas acompanham as sombras da vegetação que escorrem devagar pelo chão.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Por segundos olha para o céu e enxerga vidas novamente. São urubus voando em círculos sobre carniças distantes. Uma massa de vento esganiça o velho galo enferrujado cata-vento e nuvens inventam imagens paraguaias no espaço sobre os telhados e os sepulcros no curral do gado. Ela continua lentamente a caminhar pela estradinha suja, onde o mato cobre os pés. Fala baixinho coisas sem sentido, ressuscita hábitos antigos e de volta para casa procura comida. Acende o fogo no grande fogão de tijolos, ferve água, cozinha arroz, abóbora-menina, feijão preto com carne seca, uma mão humana, sem unhas e defumada. Tinha orelhas também.</div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Times New Roman;"> </span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt;">Fim.</div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Times New Roman;"> </span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify;"></div></span><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Times New Roman;"> </span></div></div>blog da domesticahttp://www.blogger.com/profile/02425487318004630095noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-2455960041415786757.post-23372113152849947912011-04-07T15:36:00.000-07:002011-04-07T15:49:06.474-07:00O big bang do Jaracatiá - conto<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on"><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhXH2b0UpmvLALCBOi3wC3kZ2vkXgHRcuaX-E3BwQNEL0JZ_1D1OvSC05BYTVWZnVFjijC4BTd0I0sGyFtjeRl9cfcWp-8Q7MJRuvfzp-YpPVQsOdk4uzZ3DCLPoB7KQGPuIh-fmbRmzGY/s1600/BigBangdo+Jaracati%25C3%25A1-web-blog+domestica..bmp" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="215" r6="true" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhXH2b0UpmvLALCBOi3wC3kZ2vkXgHRcuaX-E3BwQNEL0JZ_1D1OvSC05BYTVWZnVFjijC4BTd0I0sGyFtjeRl9cfcWp-8Q7MJRuvfzp-YpPVQsOdk4uzZ3DCLPoB7KQGPuIh-fmbRmzGY/s400/BigBangdo+Jaracati%25C3%25A1-web-blog+domestica..bmp" width="400" /></a></div><span style="font-size: x-large;"><strong>O</strong></span> meu nome é Tardígrado, mas no nascimento minha avó Apolônia me nomeou Urso d’água, alcunha que também carreguei até o dia em que ela morreu. Porque, segundo ela, o Urso d’água é o animal mais resistente do mundo - e assim falavam todos na aldeia onde nasci. Sou um bugre misturado com espanhol marrueiro, mas tenho traços e espírito dos bugres. As noções que tenho das coisas não aprendi - sou um avoengo ou parte delas.<br />
<br />
Nossa casa, salpicada de picuaba, cobertura de palhas e chão batido, ficava ao leste da cidade de Caarapó, em Mato Grosso do Sul. Fui ervateiro nos primeiros anos da mocidade, mas tive curiosidades sobre as coisas que o mundo podia criar e o céu que conseguia enxergar. A pluralidade é uma lei natural, a natureza reflete em ecos tudo que enxergamos. Eu sou uma das partículas de Deus, assim como a papaína que também corre no mamão-do-mato.<br />
<br />
Minha avó Deolinda armava a nossa rede de dormir sob o luar. Noite após noite, ficávamos por longo período olhando o céu e o fogo-fáctuo que minava do solo em que viviam os jaracatiás, um pomar de estrelas e seus frutos doces. Energia para milhares de papagaios, centenas de papas-laranjas e milhões de outras vidas que não enxergávamos, pois era noite também em nosso viver... E foi numa noite dessas que me perguntei: por que o céu é escuro?<br />
<br />
Nos anos que se seguiram, uma cadeia de casualidades se estendeu pelas estradas e pelo espaço no tempo em que vivi. Vaguei pelo mundo das aparências nas cidades dos homens e na Meca da civilização com toda sua tragicidade. Tive angústia animal ao achar respostas primitivas para questões filosóficas e respostas exatas para um mundo além de nosso olhar. Sei que o pensamento é um servo da ciência. Cheguei muito longe e, como um peixe, voltei para a casa onde nasci.<br />
<br />
No amanhecer daquele dia róseo-perturbado, havia nuvens púrpuras em forma de cordas de um instrumento musical. O vento soprava para o sul das árvores e eu caminhava lentamente rumo ao riacho, lugar onde minha mãe lavava roupas e cantava velhas canções em guarani. Nossa casa ainda estava fechada, o mato havia crescido e plantas trepadeiras tomavam conta de todas as paredes. Tudo ao abandono.<br />
<br />
Um milhão de papagaios pousou sobre os galhos dos jaracatiás e seus futricos levavam queixas ao céu daquela manhã. Eu não pude conter a alegria que tinha guardada no meu sapicuá de viagem. Sentei-me encostado no corpo de uma árvore de jaracatiá. O chão estava repleto de frutos maduros, podres e espalhados por toda a extensão do pomar. Tive a impressão de ter colocado a mão direita sobre uma cobra que ainda dormia. Permaneci sentado e vi seu corpo serpenteando por entre os frutos do chão - era uma cobra coral, cujo veneno já estava em meu corpo.<br />
<br />
Senti dormência na mão, minha respiração ficou acelerada e as pálpebras caíram. Perdi a noção do tempo, fiquei alguns segundos inerte e o veneno seguiu mais lentamente sua rota em meu sangue. Agora, pelas frestas dos olhos, lágrimas cobrem a superfície ampliando a visão. Vejo formigas enormes que comem sementes gigantes. Uma onda de choque inicia-se de uma semente de jaracatiá que vai à explosão. Verticalmente, sobe aos céus criando formas no espaço. O mundo nasce a todo momento e criaturas como nós vivem em constantes reencarnações atômicas. <br />
<br />
Tenho todos os sentidos confusos, ouço as batidas do coração, agora lento. O tempo já não existe e enxergo coisas que talvez estejam apenas na minha mente, como outra dimensão, uma gaveta no espaço com outro tempo. Os papagaios estão cantando, já não consigo ouvi-los,o meu coração está parando, não tenho movimentos eu estou entrando em criptobiose.<br />
<br />
E naquela manhã o bugre Tardígrado perdeu o sentido, a razão e o tempo. Mais uma vez tais partículas de Deus voltam a circular por aí, sem rumo, destino incerto. O real é mais extraordinário que a ficção e alguns segundos após sua morte aconteceu algo real. Foi quando todos os papagaios que ali estavam cantaram numa só voz... ”Dicen que los hombres no deben llorar, por una mujer que há pagado mal, pero yo no pude contener mi luanto, cerrando los ajos, me puse a lloar... “ Era a canção que sua mãe cantava enquanto lavava roupas na beira do riacho.<br />
<br />
<br />
<br />
Fim<br />
<br />
</div>blog da domesticahttp://www.blogger.com/profile/02425487318004630095noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2455960041415786757.post-82456022432312465452011-02-05T09:24:00.000-08:002011-02-05T09:24:37.006-08:00No loft de Caifás - conto<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on"><strike>S<b></b></strike>ou um jornalista, um repórter e um homem que acredita em Deus. Passei a vida procurando explicações para a fé, o medo e a alma. Encontrei muitas, metade delas não entendi; inferi a entrevista que fiz com um homem que bebia vinho fazendo estalido na língua ao final de cada gole e se dizia chamar José Caifás.<br />
<br />
Uma leitegada de exemplares minúsculos cruzou minha frente. O céu estava úmido, com algumas nuvens roxas e marrecos-de-pequim sobrevoando o açude. O loft, cuja porta principal era uma almadia, ficava logo atrás da espessa vegetação de socotras, lugar onde ele vivia.<br />
<br />
- Ninguém era início de nada!, gritou o homem que eu procurava. Era manhã e ele passeava pela estapafúrdia floresta. Vestia um sarongue que cobria todo o corpo, cabelos curtos, barba azulada, os olhos estavam amarelados iguais aos dentes. <br />
<br />
No interior de sua casa pude observar que a parte frontal era de um vidro blindado de cor cinza. Usava madeiras e pedras nos pilares, que foram cobertos por minúsculas vegetações. Tinha muitos quadros pintados a óleo, instrumentos musicais e um milhão de livros. Ele falava muito e caminhava com as mãos para trás. Eu fiquei sentado numa confortável poltrona e bebi chá de rosa mosqueta, com raspas de tangerina e limão.<br />
<br />
A luz da manhã recortou imagens das socotras, as sombras avançaram e adentraram a casa, criando reflexos consonantes. Uma cacofonia de passado e presente. Caifás abriu uma garrafa de vinho, contou que sofria de geofagia e tinha o vício de fazer enteroclisma com infusão de flores e folhas de beladona.<br />
<br />
- Naqueles dias, o Império Romano como uma sombra avançava onde o mundo e todo seu séquito soçobravam. Foi quando esqueci quem eu era, esqueci também de onde vim e porque estava na Palestina dominada. Recordo que tinha a glória e o poder de subjugar os iguais. De sacerdote ao sumo do Império, um judeu que bebia vinhos na casa de Pilatos. Falou em tom de tristeza, o homem. <br />
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjCeYR9CydT_gejdhily7Qcp0HwQ6z4XZieb9h68CnTq264UcB_EEtDhq2nEIg1O1b821-3KmkqWF4MZSUWQmvJ2llOSuUlotMLbxXNExsUhj-DUlnNcxiLOvNHQ5LB3bDAPijKUBbnRpE/s1600/no+loft+da+caif%25C3%25A1s+-+art.bmp" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="216" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjCeYR9CydT_gejdhily7Qcp0HwQ6z4XZieb9h68CnTq264UcB_EEtDhq2nEIg1O1b821-3KmkqWF4MZSUWQmvJ2llOSuUlotMLbxXNExsUhj-DUlnNcxiLOvNHQ5LB3bDAPijKUBbnRpE/s400/no+loft+da+caif%25C3%25A1s+-+art.bmp" width="400" /></a></div><br />
- Você é aquele Caifás, Joseph Caifás, da bíblia? Conheço muito pouco da sua história...<br />
<br />
- Sou Caifás, o único, e não quero provar nada para o mundo. Apenas quero deixar explicados os motivos que me fizeram comprar o corpo daquele homem há dois mil anos.<br />
<br />
- O homem que você julgou e condenou à morte era Jesus Cristo!? Acreditei nele e a sua fala branda, o olhar dante era estanque sobre mim. Ele continuou a relatar, bebia vinho, água e caminhava em círculos a minha volta, deixando rastros de perfume suave de flores.<br />
<br />
- Vi a eternidade numa noite entrante, havia música, vinhos e um alarido das vozes dos Fariseus embriagados. Aos meus pés, o homem ficou amarrado por toda a noite. Eu sabia quem era aquela criatura de olhos escuros, cabelos emaranhados, pele queimada pelo calor do deserto e com semblante de angústia. Era um viajante como eu, um patrício por mim julgado e atirado de volta para um oceano de escuridão. Eu tinha bebido muito, ouvia as horas como marretadas na minha cabeça e, na lassidão noturna, sobrepus a lucidez e a razão e fui injusto com as pessoas daqueles dias e com a vida daquele homem – dizendo isso, parou em minha frente, despejou toda a garrafa do vinho numa grande taça de cobre que tinha cheiro de zinabre e disse: “Que morra um só pelo povo e não pereça uma nação inteira.” <br />
<br />
- Era assim que eu pensava, jornalista, somos criaturas políticas... Esse é o meu pecado ante o pecado do mundo moderno, que foi forjado em uma metáfora.<br />
<br />
Eu não compreendia quase nada, mas sabia que ele estava contando verdades absolutas que a minha mente não decodificava. Intrigado, levantei-me e pedi vinho. Ele abriu duas outras garrafas. Tive sapituca e meu coração entrou num ritmo acelerado; tinha secura na boca e bebia gole sobre gole, degustava e sentia sensações inebriantes que vinham de alguns frutos alegres. Um vento soprou alertando as horas que corriam. Embriagado, numa espécie de êxtase nunca experimentado pelo meu corpo, sentei-me novamente. A voz aguda daquele homem viajou pelos meus sentidos alterados. A comedoria chegou a ponto. Porco, saladas e mais vinhos. Caifás inflectiu para o mundo dos primitivos, eu também...<br />
<br />
Ao laré, saímos por entre as socotras e a tarde tinha cheiro e cor de vinho nos horizontes. Caminhamos por uma pequena plantação de beladona que ele cultivava.<br />
<br />
- Como é doce ter sonhos extraterrestres! (imaginei ter pronunciado esta frase). Que vegetação abstrata, quem é você realmente, vivendo aqui nesta região do Crato cearense?<br />
<br />
- Sou Caifás, o único! Estou aqui na Terra por mais de dois mil anos e nunca tive a intenção de enganar o tempo. Apenas fui julgado por algumas leis da física, das quais me beneficio sem muita ilusão, um castigo com certeza. Descobri, aqui neste tempo, a exuberância da nossa existência longe da magia e onde leis naturais governam. Talvez eu até esteja morto em brana ou pregado numa cruz quântica pela quarta dimensão, talvez!<br />
<br />
Caminhávamos. Ele narrava as coisas com vareios no olhar e com palavras tiradas do engonço e que tinham centenas de sentidos e rumos. Voltei a indagar sobre o homem que foi crucificado e morto, ajudado por ele, Caifás, autodenominado “o único”.<br />
<br />
- Quando cheguei ao seu tempo, equilibrei minha sanidade caminhando sobre a terra com os pés nus. Vaguei por oito ou nove anos pela Europa, a Ásia e a África. Há dois anos moro aqui. O tempo está me deteriorando, sinto que morrerei em breve como qualquer coisa viva. Jesus Cristo era um rapsodo, um vendedor ambulante de sonhos e um grande pregador, mas naqueles dias o mundo era relativo às suas coisas e o conhecimento restrito; fez de um homem normal, uma criatura divina.<br />
<br />
- Como assim? Então ele era um homem comum, como eu e você? Parei os passos, Caifás continuou a andar. O chão estava rodando e a tarde adormecia, entorpecida e quieta, acalorada, e eu ainda estava embriagado pelo vinho. Ele continuou a falar, eu ouvia ao longe.<br />
<br />
- Isso mesmo, jornalista! Comprei o corpo de Jesus, o sepultei na eternidade e cobri com o barro. Foi um ato isolado de minha parte. Eu acreditava em milagres e mágicas, como todas as pessoas daqueles dias. Porém, depois disso, aconteceram coisas extraordinárias com as quais se moldaria a nossa civilização. Em meu ponto de vista foi um mal entendido, mas olhando pela humanidade foi um “bem entendido”!<br />
<br />
- Jesus Cristo! (pensei ter gritado baixinho). Voltamos a andar lada a lado. Olhei por entre os galhos de uma árvore de socotra e vi num fiapo do céu a lua e a estrela da tarde; também estavam lado a lado. Caifás tinha vontade de narrar e continuou a falar até a noite mudar o tom da sua voz.<br />
<br />
- Intrigado, jornalista? Antes de partir, devo resolver este teorema que sua mente montou. Vá amanhã pela manhã! <br />
<br />
As luzes do jardim se acenderam e ele sorriu pela primeira vez. Já estávamos sóbrios como os grilos perfurando a noite.<br />
<br />
- Se você viveu naqueles dias, como explicaria sua presença aqui neste tempo e agora?<br />
<br />
- Foi como uma espécie de castigo exaltado para mim, a morte daquele homem. Aconteceu antes dos próprios inimigos, os romanos, terem aderido à idéia do cristianismo. Depois de terem crucificado seu líder por sedição contra Roma, inventaram uma religião. Eu não presencie tais acontecimentos; quando cheguei neste tempo, estava tudo diferente, calendário mudado. Eu pensei ter viajado para outro mundo, um céu de enigma para minha alma, até estes dias.<br />
<br />
Ele parou e meditou por alguns segundos, como se quisesse lembrar-se de mais coisas.<br />
<br />
- Todos estes fatos ocorreram ao longo de dois mil anos. Eu cheguei neste tempo há onze anos; antes disso, recordo da noite em que fui dormir com minha esposa... Ao acordar, imaginei estar sonhando ou bêbado. Não era minha cama e nem o meu quarto. Era um lugar pequeno, com janelas redondas e transparentes, mesa e bancos esculpidos com metal; lembro também da luz calma e de um zumbido que escuto até hoje, agora, por exemplo, ouço o...<br />
<br />
Voltamos para o interior da casa e todas as luzes acesas criaram um brilho de vidro. Caifás voltou a beber vinho e continuou a falar sobre sua absurda história.<br />
<br />
- E no interior daquele objeto ou máquina passei algum tempo, não saberia responder quanto. Dormia, acordava e mal conseguia andar, minhas pernas não se moviam e meu corpo pesava muito. Tinha comida e por isso não era um sonho. Poderia ser a estrada para o paraíso, segundo aquele homem que julguei por blasfemar nadas. Mas com certeza não era o caminho para o paraíso, e, sim, uma noite eterna! Eu tive movimentos convulsivos por uma grande extensão de tempo e agonia paralela ao voltar para o mundo de areias e pedras. Acordei no meio do deserto, sozinho com as mesmas vestimentas. Caminhei vários dias, ou horas. Enquanto andava pensava que tinha morrido e minha alma já estava no inferno. E, ao me deparar com uma civilização moderna, fiquei atônito, mas fui buscar uma luz. Estudei, caminhei, aprendi muitas línguas e formulei uma conjectura sobre minha estada neste tempo, que para meu entender era o futuro...<br />
<br />
- Pelo que compreendi você viajou no tempo, veio do passado?<br />
<br />
- De certa natureza sim e não! Depois de conhecer a matemática, a física e suas leis, deduzi que fiquei numa espécie de “suspensão no tempo”, preso num objeto cilíndrico e cuja velocidade deveria ser próxima à velocidade da luz, porque o tempo esteve quase parado. Concluí que seria no espaço e bem provável que tenha arrastado este espaço em círculos próximos à Terra. Ao descer novamente no planeta o tempo havia passado, se arrastado normalmente como você vê, dois mil anos, passo a passo, guerras, fomes, alegrias, descobertas e os primórdios de uma civilização. Tornei-me um cidadão, gosto de aprender e meu entendimento profundo das coisas como eram e como são peguei neste tempo e não no meu tempo, sem almas. Mas o tempo me pegou, estou envelhecendo muito rápido.<br />
<br />
O calor me fez suar. Caifás sentou-se a minha frente. Mesa posta, taças com vinho e comidas.<br />
<br />
- O senhor poderia ser apenas um louco com conhecimento!<br />
<br />
- Já pensei nisso! E respondi a mim mesmo, não importa. O meu desvelo trouxe à tona mostras ilusórias do que realmente somos e também porque somos assim... Procuramos equações que expliquem nossa origem e a nossa existência. E foi no limiar, no amanhecer da humanidade que nasceram o dogma e a religião, como uma equação. Eu estava lá naqueles dias, conheço os passos. Depois, a humanidade parou no tempo; enquanto evoluía se apegou ao passado cultivando rituais e esquecendo que a ciência é o único caminho que poderia levar a Deus, e eu ainda estou vivendo e tentando decifrar sua grande e fantástica mente. Se enxergarmos assim, só pode ser assim!<br />
<br />
Caifás bebeu um gole do vinho, fez um estalo na ponta da língua e sorriu mais uma vez.<br />
<br />
Comemos e bebemos por quase toda a noite. Eu tive espasmos de felicidade. Nos embriagamos, enquanto eu tentava criar imagens da mente de Deus, dita por Caifás. Eu enxergava nadas, depois luzes em alta velocidade, que se afastavam até formarem galáxias que eram os neurônios ao longe e no meio da massa escura.<br />
<br />
Caminhamos sóbrios sobre o jardim de pedras. As nuvens roxas corriam baixas, anunciavam chuvas para aquela manhã. Eu estava indo embora e ele me acompanhou até a porteira da entrada no açude. Os marrecos-de-pequim decolaram em nossa frente. Caifás ficou parado. Segui até o alto da estrada, onde estacionei o carro e olhei para trás. Ao fundo, aquelas árvores de socotras, a casa cuja porta era um barco entre as pedras e a vegetação rara. A estrada serpenteia pela terra. Uma centena de pequenos leitões rosados me seguia. Caifás acenou.<br />
<br />
<br />
<br />
<b>Fim</b><br />
<br />
<br />
</div>blog da domesticahttp://www.blogger.com/profile/02425487318004630095noreply@blogger.com6tag:blogger.com,1999:blog-2455960041415786757.post-90012534641024237992010-08-18T15:43:00.000-07:002010-08-18T15:44:50.025-07:00O terceiro oVo - conto<div align="left" class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhFg5a6FATS7nORg_1Zk8eh4O_dVZHWMFBkhX08DuBjasTTtfAsxD6ijYTwBtA6x1GzkYzqqXv-Q0atDqkSXnri6_VW-pAmF29NEQ7ca9Ow9DyfVX3IXtGykqpdUYI4O1SePPtnmhPFFNw/s1600/o+terceiro+ovo+arte-conto.bmp" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="218" ox="true" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhFg5a6FATS7nORg_1Zk8eh4O_dVZHWMFBkhX08DuBjasTTtfAsxD6ijYTwBtA6x1GzkYzqqXv-Q0atDqkSXnri6_VW-pAmF29NEQ7ca9Ow9DyfVX3IXtGykqpdUYI4O1SePPtnmhPFFNw/s400/o+terceiro+ovo+arte-conto.bmp" width="400" /></a></div><br />
<br />
<strong>N</strong>o fundo da casa onde morou até os dezoito anos, havia um pequeno rio de sangue e vísceras que saía do matadouro de boi e escoava rumo ao Pantanal. Também uma plantação de mandioca - trigo e pão daqueles dias -, mangueiras e abacateiros que eram seus confidentes em dias mornos divididos com urubus, nuvens ralas e apitos de trem que vinham com o vento da estrada de ferro. Foi quando aprendeu sobre a insônia do universo e seus efeitos Doppler. A luz dos dias que se seguiram era cegada por outra exterior, cheia de cheiros e dobras – começo de um novo século. O mundo é uma experiência assim como viver, pensava ele, parado em pontos de ônibus que lhe consumiam metade do tempo vivido até ali.<br />
<br />
Os olhares das moças e dos rapazes eram de encanto e desejo sobre seu corpo, belo e quase perfeito. A boca tinha a simetria de uma fruta de vermelho profundo, mas nunca beijara ninguém. Conheceu Ariadne na faculdade, época em que ele ainda usava o nome de Teseu, herança do avô paterno. A moça era filha de um famoso ervateiro da região de Amambaí, Mato Grosso do Sul. Quase se casaram, mas, por uma equação mal colocada, eles se tornaram amantes fraternais. Ariadne também se formou na escola de pedagogia e, neste mesmo ano, foi embora de Campo Grande. Deixou Teseu, que agora se chamava Rubens, nome que ela lhe deu.<br />
<br />
Furnas de Creta era um labirinto de pequenas estradas de terra avermelhada que se embaraçavam com a vegetação do cerrado e o pasto para o gado. Inúmeros sítios de pequenas plantações que no século passado foram refúgio para escravos negros e cujos descendentes ainda estavam ali. Dotado do senso comum, que existe num mundo de aparências humanas, Rubens chegou a Furnas com pouca bagagem, de motocicleta e, na pequena escola rural que servia a comunidade, ele foi morar e trabalhar. Quando o outro século chegou, Rubens ali vivia por dois anos. Plantara um jardim de tomilhos, alecrim e manjericão. Cuidava da escola campestre, sua casa, onde ensinava poesia, bordados e a fazer pão. <br />
<br />
Aninha, sua preferida, tinha afeição por poesia, olhar triste, solidão e morava com o pai desde o dia em que a mãe morreu. A menina negra, tataraneta de escravo reprodutor, era um exemplo de seleção de espécies, inteligência superior, dez anos de idade e um metro e setenta de altura, sua aluna e sua filha, desde então. O pai de Aninha, um lavrador rude, simples e de bom coração, cuidava da filha, criava vacas e fornecia leite para toda a região. Conhecido por Minotauro, o leiteiro, negro de físico avantajado, tinha dois metros de altura, quase um bicho - ignorante do mundo, mal sabia falar, às vezes emitia sons guturais. Perdera a esposa no dia em que Aninha nasceu.<br />
<br />
Numa tarde desalentada, pálida, onde maritacas cantam o impossível por entre galhos de erva - gorda, Rubens fazia sua rotineira caminhada após as aulas - era quando levava Aninha pela mão até a porteira da leiteria onde a menina morava. Foi quando encontrou pela primeira vez com Minotauro. Os homens nunca compreenderão a inabalável e irreversível trajetória do tempo, que também vai desvirginando o espaço e criando coisas esquisitas, mundos e almas, pensava Rubens com o olhar cravado nos olhos brilhantes do gigante púrpuro. Indiferente e contida, a noite empresta seu espaço para grilos, urutaus e o pulsar dos corações daqueles dois homens. <br />
<br />
<br />
Rubens era um arquiteto de pensamentos sobre aquilo que se pode manifestar no tempo e no espaço, segundo as leis do entendimento. Mantinha a beleza do corpo pelos olhares externos, um fenômeno que transformava seus fluidos em ações desconhecidas e prazerosas. A enigmática e desconcertante atração entre eles era como um grito, onde o eco se perderia no desconhecido, uma experiência numa escala infinita, próxima de deuses e contrariando um labirinto de dogmas.<br />
<br />
O tempo desvanece-se graciosamente sob o azul do céu e os relógios são objetos físicos afetados pela imprecisão quântica, ante os pensamentos de Rubens, que nos anos seguintes se apaixonou profundamente pela Hera-africana - amor físico, dores do sexo, caráter de fêmea e também desenvolveu uma espécie de androgênese, cujo núcleo paterno era do Minotauro, pai de Aninha, agora com 18 anos de idade e professora naquelas furnas.<br />
<br />
Foi assim por muitos anos. Rubens, andrógino e mãe, cuidava da leiteria onde cunhou uma existência além de suas expectativas, como um bizarro sistema binário de sóis. Sua vida era um pulsar de duas estrelas em colapso e suas danças de morte, imitação do mesmo conjunto de matéria que tenha gerado o Cosmos, um ovo cósmico – sua conjectura e sua fé.<br />
<br />
Aos olhos externos e humanos, aquilo era um ovo. Um simples corpo, resultado da fecundação do óvulo no ovário de algumas espécies. Albuminas, graxas, protoplasmas, envoltórios e Rubens passou a fecundar. E foi no terceiro ovo que uma criança humana nasceu. Menino purpúreo como o pai, Minotauro.<br />
<br />
Outono, as vacas engordam e maritacas voltam aos seus ninhos. Tem Vela, Centauro e Cruzeiro do Sul e logo abaixo deste mesmo céu tem Carina, uma estrela que já pereceu. Na madrugada em Furnas de Creta a mesma coisa aconteceu. O gigante negro adormeceu, morreu ao lado de Rubens, Aninha e seu filho que nasceu.<br />
<br />
As estradas de Furnas não eram mais labirintos na mente de Rubens e sim caminhos polvilhados de ouro e pólen das borboletas que pousam no coração das flores e, mesmo assim, pensa no amor que já não existe mais. O vinho de leite absorve a tristeza do coração, esvaindo para um céu róseo de nuvens em chumbo. Enternecido e desmesurado, renunciou as vacas leiteiras e a vida encantada que ali cultivou.<br />
<br />
No oitavo mês, em pleno outono do ano seguinte, quando o vento ruge um perfume de poeira avermelhada, as ruas de Campo Grande ficam forradas pelas folhas que morrem. Tem sol em abundância, meninos gritam por detrás dos muros das escolas públicas, um picolezeiro grita: “tem sorvete moreninha!” Ariadne consome pasteis na feira, quando encontra novamente seu primeiro e verdadeiro amor, Rubens. Agora com seus filhos, Teseu e Aninha.<br />
<br />
<strong>Fim</strong>blog da domesticahttp://www.blogger.com/profile/02425487318004630095noreply@blogger.com7tag:blogger.com,1999:blog-2455960041415786757.post-5254336888324620062010-05-20T12:32:00.000-07:002010-05-20T12:42:22.667-07:00O que sonham as crisálidas negras - conto<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi-0nx3iEtFCTVJSwqR8ll2H2XCRTvJn1WooAK1OnRqZQGq3X8gYtQeSIACPwXha13CUE2f6Y_j3tkOUzNCo4N6Uz4n6qoNaQJs90NtLPY8MBpWp8P6Ghqj8IjXMrEIo46AbPHh6nncgBg/s1600/O+que+sonham-blog+-dadomestica.bmp" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" gu="true" height="222" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi-0nx3iEtFCTVJSwqR8ll2H2XCRTvJn1WooAK1OnRqZQGq3X8gYtQeSIACPwXha13CUE2f6Y_j3tkOUzNCo4N6Uz4n6qoNaQJs90NtLPY8MBpWp8P6Ghqj8IjXMrEIo46AbPHh6nncgBg/s400/O+que+sonham-blog+-dadomestica.bmp" width="400" /></a></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: left;"><span style="font-size: large;"><strong>A</strong></span> linha do horizonte quase rubra estava sumindo, mas ainda dava para ver um rio, como uma serpente de espelhos, vagando por entre rochedos e refletindo as primeiras estrelas. Tinha estas imagens e o ruído de um motor triste, entre nuvens. Era tudo que ela se lembrava da sua vida até aquela noite. </div><div class="separator" style="clear: both; text-align: left;"><br />
</div>Desvairamento ou alucinação, ela não tinha entendimento de nada. Chegou como um vulto na beira de uma estrada pantaneira, quase noite. Caminhou horas mortas rumo ao cruzeiro do sul. Arrebatada, encontrou o bolicho de Fresia na beira do caminho, lugar onde serviam refeições e vendiam quinquilharias, paneiros, ornamentos artesanais feitos por indígenas. Fresia tinha vivido muito por ali e já conhecia a viciação da natureza. Fazia contatos com laranja-do-mato, em abundância em sua culinária. Arroz com grelos de plantas, geléias de pupas e o bolo feito de crisálidas negras. Cuidava de quatro mulheres índias e um bugre, empregado responsável pela lavoura de pupas e pelo cultivo das plantas nativas.<br />
<br />
O bolicho sempre ficava vazio. Nas altas horas da noite, não passava ninguém pela estrada. Fresia e seus empregados, aluados pelas substâncias alucinógenas que temperavam o jantar, faziam a rotineira limpeza antes de fechar. Como uma fantasmagoria que surge da noite, a menina de estatura pequena, olhos ligeiramente puxados, cabelos lisos e aparência indígena, entra e se atira sobre uma cadeira ao lado do balcão. Fresia não sofria de estereopsia, tinha o coração fumado de altruísmo, na profissão de parteira ajudou mil almas nas fronteiras da Bolívia e Paraguai. Era especialista em plantas e botânica do fumo-de-angola, pango, soruma, manga rosa, birra, cânhamo e haxixe. Fresia tinha distúrbio de solidão, servir aos andarilhos e viajantes naquele eremitério - era o que melhor sabia fazer.<br />
<br />
- Boa noite, estou perdida! - a garota fala sorrindo, enquanto retira a mochila e revela os pés no chão. A refração da luz incidental do lampião a gás dava nuances da rara beleza sobre o rosto miúdo da misteriosa menina com aparência de criança.<br />
<br />
- Resta apenas um pedaço de bolo de crisálida negra. Tem geléia de pupas e suco. É tudo o que você precisa comer nesta noite! Fresia senta-se ao lado da moça, colocando os pratos servidos com desvario e sensatez. Indaga nome e origem e lhe oferece um trabalho. Narra sua chegada por ali como uma efeméride que continua a gravar tudo num banhado da memória e da sua ínfima jornada pelo tempo. A Madrugada se edificou e, quando as horas eram queimadas com folhas de pango, todos foram dormir, exceto Fresia e a andarilha, que numa espécie de torpor, viajavam presas em cadeiras e mesa posta com restos de comidas, mariposas e imagens deformadas. <br />
<br />
- O início do tempo caiu no início da noite, que precedeu o sexto dia de outubro, ano de 1956. Neste afã, descobri algumas possibilidades amedrontadoras e bizarras para seres humanos, porém verdadeiras. Fresia continua explicando para a garota sobre estáticas viagens com um combustível tirado do estame da natureza.<br />
<br />
- Eu tive um sonho acordada, um preâmbulo na mente, enquanto andava pela estrada. Antes disso eu era apenas uma mulher nascida no Vietnã e que vivia na fronteira do Brasil com o Paraguai, cidade de Ponta Porã. 18 anos de idade, casada com um homem de 77 anos e uma fuga espetacular, saltei de uma aeronave com paraquedas sobre este lugar ermo. Rise Nong Dan é meu nome, conta a moça com entusiasmo. <br />
<br />
Rise Nong, Fresia e seus criados entraram em estado de alheamento do espírito e continuaram o ciclo, retirando energia da natureza, vivendo naquela beira de estrada e cuidando da belíssima lavoura de borboletas irisdescentes. A plantação ficava dentro de um buraco de quase seiscentos metros de diâmetro e com quarenta metros de profundidade. Uma gruta gigante desmoronou, criando um nicho intrincado de vidas. Uma floresta com árvores de Jatobás do Cerrado e Capitães do Mato. As araras faziam ninhos nas copas das árvores. Ao sul, um pântano de águas claras, onde viviam as saracuras que se alimentavam das larvas e pupas, que viviam nos pés da maconha por mais de duzentos anos.<br />
<br />
- Nada é falso ou simulado neste Universo, que poderia ser uma bala de revólver viajando numa velocidade fantástica, rompendo um outro universo de nadas. Eu plantei os pés de maconha, depois os ovos das borboletas Phyllocnistis, que povoaram toda lavoura. Quando em estágio larval comem todos os pés da canabis, deixando apenas longos talos para as crisálidas negras dormirem. São haxixes vivos que uso na culinária; as que sobram, criam asas e continuam os sonhos, você me compreende Rise Nong? <br />
(indaga Fresia com o olhar sereno sobre a vietnamita que adormece sobre a mesa.)<br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">fim</span>blog da domesticahttp://www.blogger.com/profile/02425487318004630095noreply@blogger.com5tag:blogger.com,1999:blog-2455960041415786757.post-82185640903271890042010-04-02T10:56:00.000-07:002010-04-02T10:56:08.373-07:00A cloudless afternoon – conto<div align="left" class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgmHVzDlYhlPvxHAvq28P71dl9WySsYJI0cHXrHG8HzzbKUA-g2ESpU_55kkSu3d2-f1KVmaWpGKm-7KMuXkxri63kyO61tPinlhkF-bwHjpbFt0zqLWM7MuW1eUk2VHy6EPeVTtXntTeY/s1600/Um+c%C3%A9u+sem+Tarde-blog.bmp" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="182" nt="true" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgmHVzDlYhlPvxHAvq28P71dl9WySsYJI0cHXrHG8HzzbKUA-g2ESpU_55kkSu3d2-f1KVmaWpGKm-7KMuXkxri63kyO61tPinlhkF-bwHjpbFt0zqLWM7MuW1eUk2VHy6EPeVTtXntTeY/s400/Um+c%C3%A9u+sem+Tarde-blog.bmp" width="400" /></a></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><br />
</div><div class="separator" style="clear: both; text-align: left;"><span style="font-size: x-large;">C</span>resceram arbustos sobre as pedras, ruínas da antiga fazenda. Antes disso, a casa dos mortos ardeu em fogo, pelo verbo e pelas cunheiras de madeiras, onde abrigavam ninhos de pardais e corujas, cujos filhotes morreram queimados. Não sobrou nada, nem o pomar de frutas cítricas, exceto sementes de plantas insetívoras e carnívoras que, ao acaso, criaram um enigmático matadouro de exornar, um jardim que comia vertebrados, através da planta-jarra australiana, de amarelo transparente, e que sempre exibia em seu estômago borboletas, ratos e camundongos. Fúnebres adornos dourados para a mesa onde serviam o chá das 5 horas da tarde.</div><div class="separator" style="clear: both; text-align: left;"><br />
</div><div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">Vestido de rendas e chapéu, olhar azul imponente, gestos precisos e graciosos, ela era vista assim, naquele extravagante jardim, ao longo dos últimos 12 anos. Aconteceu depois que seu marido, o embaixador Afternoon, morreu. Miss Mary Afternoon tinha perdido o tempo, naquele ermo de sofisticação e fartura de sol. Nascera ao leste da Inglaterra, em Ipswick, onde casou-se e veio parar aqui, na fronteira do Brasil com o Paraguai. Tomar chá era seu maior prazer naquela hora da vida, por todos os dias, sempre no rotineiro horário e acompanhada de Maria, uma camponesa de hábitos simples, mas que estendia o seu trabalho para o ritual com sua mistress. </div><div class="separator" style="clear: both; text-align: left;"><br />
</div><div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">- Você sabia que a velocidade é o segredo da juventude eterna e que o infinito de uma pessoa está no desvão das pernas? – indaga Afternoon, enquanto ajeita o vestido sobre a cadeira, servindo o chá.</div><div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">- Eu sei que é um lugar tão quente que azeda o leite e adoça o abacaxi. Meu pai, que Deus o tenha, sempre aconselhava: nunca caminhe olhando para as unhas dos pés! – disse a mulher, sentando-se próxima da mesa.</div><div class="separator" style="clear: both; text-align: left;"><br />
</div><div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">- Maria, vou lhe contar sobre um verdadeiro affair. É a vida daquela moça que serve a nossa mesa todas as tardes. Você gosta com muito açúcar e pouco leite! - Miss Afternoon nunca se esquecia de nada. Era uma criatura de palear palavras como poemas.</div><div class="separator" style="clear: both; text-align: left;"><br />
</div><div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">- Tinha quatro estrelas na cara da noite, sem propósito ou ordem. Aqui, nos pés, a mesma noite acendia vagalumes por entre tangerinas e limões. Em volta da casa na qual ela vivia com seu husband e filhos, subia um muro com altura de quatro sabiás-laranjeira e um pardal. Ela o escalava ardendo de paixão pelo homem azul-púrpura, que a levava, em seu palanquim cor ocre queimado, para o escuro da noite. E assim foram oito anos em noites! Hoje, a vida dessa moça é um murmúrio. Em seu quarto, tem uma réstia de noites viciadas - do teto ao chão. As estrelas são quimeras que nossas línguas ajeitam sobre vírgulas e pontos. Somente para caber mais histórias nas reentrâncias da boca da noite em que vivemos, uma espécie de redemption! Miss Afternoon serve outra xícara, desta vez adiciona uma dose do velho maltado, tira o chapéu e fita o céu vazio, da quase noite.</div><div class="separator" style="clear: both; text-align: left;"><br />
</div><div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">- Achei o affair úmido e triste! Tenho lágrimas por casas que viram gretas, em que adentram luares, cupins, lobisomens e até cachorros. É um ninho sem doces, guaviras ou mariolas, geralmente sitiado por resíduos de traição e pau seco, isso é o que é! – diz Maria, enquanto serve whisky puro, depois de jogar resto do chá dentro da boca-de-jarra. (planta).</div><div class="separator" style="clear: both; text-align: left;"><br />
</div><div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">- Só o silêncio é divino! Naquela infinitude, onde as ondas quebravam às 2 horas da manhã, a mudez dos inocentes era o sono. Ela descia as escadas - guiada pelo ruído do ronco do seu husband – e saltava um muro figurado. Your man was sleeping. Unfaithful. Terminou o nosso chá! A moça do affair vem recolher tudo – Miss Afternoon recoloca o chapéu, bebe um último trago e, depois, um gole de chá.</div><div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">Medeiros era uma mulher de quarenta e poucos anos. Tinha um olhar singular – ora verde ou escarlate. Trabalhava naquele hospital, hospício, desde o desaparecimento do marido e da partida dos filhos. Cuidar de loucos era seu legado.</div><div class="separator" style="clear: both; text-align: left;"><br />
</div><div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">- Vamos Miss Afternoon! A Noite chegou, posso retirar o espelho da sua frente? – pergunta Medeiros, enquanto acalenta as mãos rugosas da senhora inglesa.</div><div class="separator" style="clear: both; text-align: left;"><br />
</div><div class="separator" style="clear: both; text-align: left;"><strong>fim</strong></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: left;"><br />
</div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><br />
</div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><br />
</div>blog da domesticahttp://www.blogger.com/profile/02425487318004630095noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-2455960041415786757.post-44179722488514631512010-03-14T14:58:00.000-07:002010-03-15T15:23:42.453-07:00O Outro - conto<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiTxw_YKksHm2cdSRiGTvHzzvdHGkoZmcwOQQ8UhDTTZCdBqG1S8Q9-fNRhramP7aaKj6tfol0R1lu3jqB6MA0gXuobQmelZNjEfnAQPvBLeTCaLV-rkWksDH1X1ubnrfaySkvKad0EFBg/s1600-h/OOutro2.bmp" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="297" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiTxw_YKksHm2cdSRiGTvHzzvdHGkoZmcwOQQ8UhDTTZCdBqG1S8Q9-fNRhramP7aaKj6tfol0R1lu3jqB6MA0gXuobQmelZNjEfnAQPvBLeTCaLV-rkWksDH1X1ubnrfaySkvKad0EFBg/s400/OOutro2.bmp" vt="true" width="400" /></a></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><br />
</div><div class="separator" style="clear: both; text-align: left;"><strong> <span style="font-size: large;">A</span></strong>bril terminava ali, naquela noite. Uma estrada de velhos ossos, som estridente das cigarras, incógnitas paisagens e estrelas salpicavam no marrom do céu. Poeira era como roupas sobre as perpétuas encarnadas e carcaças que se alinhavam ao longo da via. Crista dirigia em alta velocidade, tinha pressa de chegar a Meteora, hotel que era a metade do destino e onde passariam alguns dias. Seu franzino macho, marido e amado dormia no banco ao lado, como um réquiem velado pela dedicada esposa. Desde que se conheceram, há 18 anos, Crista e Antonio viveram uma desabrida história de amor. Eles não tiveram filhos, faziam pães e doces para o sustento. Guardaram um pouco de dinheiro para uma vida nova numa outra cidade, onde teriam filhos e não mais trabalhariam. </div><br />
Meteora tinha pouco mais de 200 habitantes e quase todos viviam do hotel que dava o nome para o lugar. Foi construído no meio de gigantescas árvores de pau-de-bugre, ao lado de uma lagoa margeada por timbó-caás venenosos, vegetação de cor púrpura que exterminou outras ervas. <br />
<br />
- Chegamos! – fala empolgada Crista, que estaciona o carro e beija o marido sucessivamente pelo rosto.<br />
<br />
<span id="goog_1268603104849"></span><span id="goog_1268603104850">No quarto ao lado havia um homem do coração eunuco, amputado daquilo que molha e pulsa. O corpo era como bronze fundido no fogo do inferno e estigmas, sinais em tatuagens gravados na pele. Também se chamava Antonio, queria esquecer o passado turbulento, apagar maus sentimentos e a vida de banditismo que teve. E por dias ele estava ali, onde bebia tequila no café da manhã e observava os peixes venenosos infundidos pelas plantas mortais do lago.</span><br />
<br />
Um vento aleivoso soprou pelo vão das pernas de Crista, levantando o vestido amarelo e deixando, por alguns segundos, as brancas coxas expostas - partes que somente seu marido tinha visto e tocado. E por detrás de um óculos negro, o olhar incônscio do outro Antonio seguia a moça por todo hotel e nos passeios em volta do lago.<br />
<br />
As águas profundas e púrpuras do lago tinham espessura de saliva, gelatinosa e ele funcionava como um cérebro gigante. À noite dava para ver os peixes vermelhos, que se moviam criando pequenas descargas elétricas, raios, como um pensamento espalhado no espaço, algo sublime que dava interferência em outros cérebros e outras mentes. Crista e Antonio se encontraram sozinhos pela primeira vez no langor do anoitecer. Ela perambulava sozinha, numa espécie de torpor, embriagada por vinho e no cio. E sob a vegetação que murmurava para si mesma, eles beijaram seus corpos e rolaram no virgem espaço da escuridão. Antonio a tragou com seu corpo imenso e sexo por muito tempo. Carícias fulgurantes, ousadas e uma torrente de esperma mancharam o vermelho que escorreu do sexo de Crista. Ela chorava em silêncio no gozo e nem percebeu a dor e a ferida que aquele gigante homem impunha em cada centímetro, cada átomo de seu ser. Antonio, seu marido, dormia sob raios de luar e, no limiar entre um sonho e um pesadelo, ele assistia ao lago, os peixes vermelhos nadando em faíscas e Crista, sua esposa em agonia, êxtase e coberta por tatuagens. E nos dias que se seguiram, Crista e Antonio, seu amante, se misturaram em selvagens confrontos sexuais como ela nunca tinha tido ou sonhado. <br />
<br />
Antonio, aquele homem sem misericórdia, sentimentos apodrecidos e que purgou desgostos por toda uma vida, havia mudado e jurara nunca mais matar outro homem. Carregava o pensamento de que o sono profundo das coisas era dádiva de Deus e suas vidas eram do Diabo. Porém, agora, era prisioneiro de uma mulher pérfida, de energia inquebrável, bela e louca demais para ser tola. Crista, de amor renegado, tinha outro plano para o futuro. <br />
<br />
Noite quente, vinho gelado e uma iguaria feita com peixe vermelho habitante do lago. Crista prepara uma despedida de amor e ceia para Antonio, seu marido, que sentiu os odores de outro homem e um sexo que não era mais dele. Mesmo assim, estava embriagado pelo álcool, pelo veneno e pelos fluidos produzidos no auge de uma euforia ante a morte. Na madrugada, Crista carregou sozinha o corpo de Antonio, seu marido, para a escuridão.<br />
<br />
- Agora dormes, meu amor, em teu fúnebre ornamento de vegetais e pedras. O mato te cobrirá e a chorosa ventania desta noite levará tua dor – Crista murmura em lágrimas, enquanto coloca o corpo do marido em pé no oco do tronco de uma grande árvore.<br />
O céu daquela manhã de maio tinha tonalidade rosa bruto, que refletida no lago dava nuances encarnadas de sangue e ferrugem. Crista e Antonio, cúmplices de um crime perfeito, seguem juntos rumo a uma nova vida e longe de Meteora.<br />
<br />
Quarenta anos mudam todas as coisas, inclusive o Hotel Meteora, agora numa cidade com milhares de habitantes. Porém, o lago misterioso e seus habitantes continuavam vivos e pensantes - um cérebro primitivo de grande proporção. Cristina procurou pela árvore de pau-de-bugre, tumulo de seu pai, que ainda estava lá, uma sentinela do tempo. Como Crista, sua mãe, havia confessado, aquele corpo no oco da grande arvore, conservado pela vegetação era seu verdadeiro pai, Antonio.<br />
<br />
<strong>Fim </strong>blog da domesticahttp://www.blogger.com/profile/02425487318004630095noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-2455960041415786757.post-25283925881434416922010-03-13T08:00:00.000-08:002010-03-13T08:00:49.913-08:00Cachorro bebe vinho sozinho - papel de parede<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgOqxpYgcZ3mXpKKWuzWv5FM_EgV__rIQ6SUXbnWwLkX6IoZZirAGjTG7DRWqel_rXE_tBd1ZjSx_yjEjL6L0LeNMc8XivakJUtbpji4ODyDcciXx6l3pScIycQViLijZAEZHc_WBGYclw/s1600-h/cachorro+bebe+vinho+sozinho..bmp" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="182" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgOqxpYgcZ3mXpKKWuzWv5FM_EgV__rIQ6SUXbnWwLkX6IoZZirAGjTG7DRWqel_rXE_tBd1ZjSx_yjEjL6L0LeNMc8XivakJUtbpji4ODyDcciXx6l3pScIycQViLijZAEZHc_WBGYclw/s400/cachorro+bebe+vinho+sozinho..bmp" vt="true" width="400" /></a></div>blog da domesticahttp://www.blogger.com/profile/02425487318004630095noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2455960041415786757.post-58051437849511525412010-01-12T03:38:00.000-08:002010-01-12T03:38:04.212-08:00Caminho para Desencarnação - conto<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjTPgMGchUOx86RAGdYRupzQwmBD9HkEwH-CY69p22d2BhjwVZ3Q1HAds7wu2vq7dQzYNLiSWMB0qsZb-QNnFaLIxJz3ORX9Eqj38gteOPJBg7XgHZedkm8npju6i91A7mggnxrNI-VE7s/s1600-h/Caminho+para+desencanacion-jpg.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" ps="true" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjTPgMGchUOx86RAGdYRupzQwmBD9HkEwH-CY69p22d2BhjwVZ3Q1HAds7wu2vq7dQzYNLiSWMB0qsZb-QNnFaLIxJz3ORX9Eqj38gteOPJBg7XgHZedkm8npju6i91A7mggnxrNI-VE7s/s400/Caminho+para+desencanacion-jpg.jpg" /></a><br />
</div><div style="text-align: left;"><span style="font-size: x-large;"><strong>A</strong></span> simples invisibilidade é algo que ainda surpreende aos olhos dos desatentos. E por esse motivo, Desencarnação ficou escondida, oculta até os dias de hoje. A cidade não pertence ao Brasil e nem ao Paraguai, fica numa estreita franja de terra cercada de montanhas, a oeste da Bolívia. Para se chegar em Desencarnação só existem dois caminhos: o céu e também uma estrada-de-ferro dada como desaparecida no início do século XX. E, para se fugir, ainda tem uma terceira e burlesca opção, a morte.<br />
</div>Tristeza tecia um retrospecto da própria existência, dos dias moucos que teve como uma fêmea da espécie humana. Seu corpo belo foi construído quando jovem, contrariando o senso comum - invadiu os domínios da perfeição por ter nascido um homem, tangível, embora igualmente impreciso, um comum postulado da civilização.<br />
A tarde tinha espasmos de cores e sons ante os sentidos daquela mulher, andarilha, que caminhava solitariamente pela estrada Transchaco. Era abril, as nuvens dormiam cedo, deixando o céu amarelo-sépia para marrecos, patos e estrelas. Tristeza tinha os pés descalços. Levava uma sacola de lona com objetos pessoais e pragmas de sua vida até então. Colhia araticuns, cajus do campo e araçás, alimentos que seu instinto primordial indicava. <br />
A noite chegou num piscar de olhos, iluminando a velha estação de trem desaparecida no século XX. Sua mente manteve o mito para impor ordem à realidade, pois ficara tomada de paixão pelo mistério e o enigma que a levava até a cidade de Desencarnação. Tristeza dormiu por dias e noites sobre o banco de madeira da estação iluminada. Ao despertar, deparou-se com alguns homens indígenas e cachorros que também esperavam aquele trem. Caminhou lentamente até o banheiro da estação e, ante ao espelho, emoções fugidias vieram à tona. O medo desencadeado lhe trouxe um alerta para sobreviver e ao voltar para a plataforma da estação, Tristeza era um homem novamente, com havia nascido há 50 anos. Por detrás dos olhos tristes e profundos carregava o conhecimento de ter vivido e sobrevivido sobre a crosta deste mundo, onde modelos matemáticos codificam as nossas observações. Estava pronto para embarcar.<br />
Minimal, um apito e uma luz surgiram como um encanto pelos trilhos enferrujados - era quase manhã. Uma chuva mansa lavou a paisagem que corria pela janela. Havia somente cinco vagões, quase todos tomados por indígenas e seus cachorros.<br />
Américo deixara Tristeza com suas tralhas e sua alma numa cova surda além daquela estação e trilhos. Uma vastidão de pensamentos lhe tomou de assalto. A evolução dos sentidos trouxe à tona partículas de lembranças de quando ainda era um contumaz pensador, que bradava em becos e vendia a alma por gramas de veneno e pão. <br />
Agora, o tempo havia parado dentro daqueles vagões que seguiam rumo a Desencarnação. Todos os passageiros dormiam pesadamente, exceto os cachorros e Américo, que mantinha os sentidos fundidos e abalados. Os ruídos e outros barulhos se tornaram nítidos, tinham cores e até gosto. A chuva havia ficado para trás e a paisagem mudava rapidamente pela janela. Um céu cinzento cobria rochas de halita, que refletiam um mar plúmbeo e sem vida. Américo sentia o gosto do sal que entrava com o vento. Caminhava e fumava pelos corredores, às vezes mudando de vagão. <br />
Novos dias e noites surgiam como fotogramas pelas janelas do trem. Américo esquadrilhava o céu, pasmado, pois nada o intrigava tanto quanto o tempo e o espaço. Agora tinha os sentidos evoluídos, inclusive uma visão ampliada que lhe dava uma maior amplitude no horizonte de eventos.<br />
Aqueles homens indígenas sorriam enquanto acariciavam seus cachorros, atentos aos movimentos, gestos e na fala eloquente do homem branco e cheio de sabedoria.<br />
- Estar vivo significa viver no mundo que precede à própria chegada e que sobreviverá à partida – proferiu Américo, enquanto esticava as pernas sobre o banco da frente ao lado de um cachorro. Sentado ao seu lado estava um bugre muito velho, que fumava cigarro de palha e dizia se chamar Coração Selvagem, nome que ele mesmo escolhera a 95 anos passados.<br />
- Para onde segue este trem? – perguntou Américo para o bugre. Todos ouviram, inclusive os cachorros que latiram em conjunto com as gargalhadas que todos que estavam ali deixaram escapar.<br />
- Nós moramos numa reserva que fica a duas léguas de Encarnação. A cidade é depois do rio – respondeu Coração Selvagem, com a voz embargada.<br />
Américo encolheu as pernas e se perdeu por entre os olhares enigmáticos daqueles homens e também dos animais. Soa um apito profundo para uma noite dupla, entremeada de vaga-lumes, corujas e curiangos, que precedem a chegada.<br />
Américo caminha novamente pelos corredores. Agora tem noção da obscuridade de seu destino. Uma usual fome física atropela seus pensamentos. Os bugres abrem suas matulas e lhe oferecem a carne de aves coberta por farinha de mandioca. O cheiro do solene jantar envolveu todos os vagões, o deserto e suas criaturas noturnas. <br />
E no primeiro amanhecer da noite dupla o trem chegou ao seu destino final. O céu estava muito negro, não havia nuvens e a constelação de Orion parecia flutuar no espaço diante de seus olhos, algo que se assemelhava a uma alucinação. Coração Selvagem ficou parado observando toda agonia daquele homem branco; os bugres e também os cachorros seguiram por uma trilha pelo interior de um mar de xerófilas.<br />
- O que você pensa do espírito? – perguntou Coração Selvagem, enquanto andava em passos lentos em direção ao homem branco, ajudado pelo seu cachorro.<br />
<br />
- Não penso nada, espírito não existe! – respondeu Américo, enquanto se ajeitava sobre uma pedra que dava visão para o rio.<br />
- Pois para nós o espírito humano é somente uma transferência. É a nossa presença de pensamento em contato com o mundo e maneira de caminhar sobre ele, desfrutando o melhor, uma busca eterna por um conjunto de normas que funcione perpetuamente em equilíbrio, assim como dentro dessa castanha – explicou Coração Selvagem,exibindo uma semente de araticum.<br />
- Entendo, onde está a cidade de Desencarnação? <br />
<br />
- A cidade ficava logo ali, depois do rio, não existe mais. Você nunca voltará de trem, o mato tomou conta de todos os vagões e trilhos. Retorne pelos fios do telégrafo. Dizendo isso, Coração Selvagem levantou-se, olhou dentro dos olhos de Américo e desapareceu na noite junto com seu cachorro.<br />
E no segundo amanhecer da noite dupla não havia constelação e nem estrelas. As nuvens estavam carregadas de energia e do outro lado do rio fogos-fátuos escapavam de gretas de um lençol de coisas mortas. Américo adormeceu por exaustão física naquele chão duro e salgado.<br />
Tristeza tinha gosto de sal e formigas na boca ao acordar sobre um velho banco de uma estação de trem abandonada. Havia dormido muito e a garoa fazia uma sinfonia com os ruídos de seu sonho longo. Sentia fome e olhava a estrada Transchaco, seu caminho, cujo céu estava cheio de paisagens: nuvens, mar, deserto e miragens. <br />
<br />
<span style="font-family: "Trebuchet MS", sans-serif; font-size: large;"><strong>fim</strong></span>blog da domesticahttp://www.blogger.com/profile/02425487318004630095noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-2455960041415786757.post-53659949647688930922009-12-24T10:05:00.000-08:002009-12-24T10:13:18.546-08:00Azul disfórico - conto<div align="left" class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><br />
</div><div align="left" class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiT8iv9orkqb2gKIlWcR_ZWqUJ-V9P_XsCq67Vx23N9Y0dQIhoQ3xPkU0uMpaqnOdX53S1uKOnSi2IlxVm-x3obsmqb-dduIaslNYaB8TnAHYKLD6a8AHzGdM4hBZq42IYPuny37SzUPoI/s1600-h/AzUlDisf%C3%B3rico-Blog.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" ps="true" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiT8iv9orkqb2gKIlWcR_ZWqUJ-V9P_XsCq67Vx23N9Y0dQIhoQ3xPkU0uMpaqnOdX53S1uKOnSi2IlxVm-x3obsmqb-dduIaslNYaB8TnAHYKLD6a8AHzGdM4hBZq42IYPuny37SzUPoI/s400/AzUlDisf%C3%B3rico-Blog.jpg" /></a><br />
</div><br />
<span style="font-size: large;"><strong>C</strong></span>hegou de algum lugar, mas esqueceu de onde. Os olhos eram subterfúgios do verbo que usava para sobreviver. E como um profeta, gritava oportunos discursos que foram escritos por um filósofo de dois mil anos atrás. Tinha 24 anos e já chegara ao limite do seu conhecimento sobre o mundo e seu habitual avezar. Pastor Anderçon Creise carregava o peso da extrema insensatez da idade. Pregava pelos corredores e escadarias do parque Dom Pedro e, de domingo em domingo, foi arrebanhando seguidores, até conseguir reuni-los num pequeno salão, no bairro do Brás, em São Paulo. Nas noites de quinta-feira tinha cerimônia de culto, era quando pastor Creise distribuía alguns cigarros feitos com erva-doce para os seguidores mais fiéis. Ao fim, violava e aviltava sua própria doutrina num discurso em tom amargo, no qual, por repetidas noites, apregoava seu amor hetero-homossexual por tudo que se movia no mundo.No auge de seu arrazoado orar foi que um fortuito episódio lhe revogou a palavra e o pensar. Contaminado pelo amor, sofria uma síndrome de Deus.<br />
E no dia de Natal, São Paulo amanheceu em trovoadas, águas e nuvens pesadas fitavam para um pequeno quarto no Brás, onde por de trás da janela antiga um leito recebia o peso do pastor Anderçon Creise, que respirava pela última vez. Situação de exaustão físico-psíquica, fragmentos de instantes vividos vêm ao lume. O coração parou... O homem está morrendo. <br />
<br />
A luz deixara de entrar em alguns dos cem cômodos, as paredes adquiriram um tom cinzento esverdeado de pequeninas plantas em musgo, o chão era frio, úmido e pelos cantos lacrimejavam águas armazenadas nos tijolos. Também não tinha janelas, apenas alguns buracos fechados com ferro em cruz, perto do telhado de cinco metros de altura. O lugar era endoidecedor, lúgubre o lar para mais de trezentos internos, loucos, dementes e alienados – uma pintura de Goya. Ele nascera naquele manicômio e passara quase 24 anos sem roupas. A parte primitiva do cérebro tomou o controle e seus dentes cresceram, os pelos grossos tomaram conta do corpo e com freqüência tinha alucinações visuais e auditivas, herança dos pais que viveram por mais de cinqüenta anos no manicômio, como internos. Emoções turvas abriram outras portas na mente e como uma cascavel enxergava também no escuro em infravermelho.<br />
Na esquina de um Natal sombrio, nuvens estranhas criaram ilhas de algodões que choveram um oceano por três dias. As portas do velho Manicômio foram abaixo e seus moradores desapareceram tentando atravessar um rio de lama cujas correntes, invisíveis, eram ondas de rádio. Ele sobreviveu, sua cor de morto lhe dava um elevado nível de filosofia ante à morte. Tinha memória de um mundo selvagem do qual nada era pior que assistir loucos morrendo afogados em ondas de rádio sobre um deserto de lama e sal. Depois do temporal o céu voltou para sua rotineira vida. Sozinho, novamente, ele se põe na estrada rústica que levava para Nova Cafarnaum, lugar que conhecia apenas em sonhos. Caminhou por cinco dias e noites, assistia imagens espetaculares sobre sua cabeça, comia paradoxos e greenberrys que colhia pelas margens ásperas daquela via. E no final do quinto dia ele acordou do transe numa vereda onde luzes se cruzavam em velocidades altíssimas rumo ao espaço aberto. Ele sentia o efeito de alguém caindo num buraco sem fundo. Alienado às relatividades temporais do mundo, se viu perdido ante um oceano de fluído escuro e extraordinariamente desabitado de almas como ele conhecia. Sem erudição científica, sem corpo físico, apenas aquela centelha de energia não tinha onde se apagar ou agarrar e, assim, como toda criatura ignorante, se perdeu no vazio absoluto.<br />
<br />
Por trás da janela de vidro no bairro do Brás, pastor Creise é velado por nuvens grávidas que choramingam as últimas gotas da chuva e alguns poucos fiéis, que cultuam o simples processo neurobiológico como uma experiência mística. Suas vozes oram em coro para um céu absolutamente vazio.<br />
<span style="font-size: large;"><strong>fim</strong></span>blog da domesticahttp://www.blogger.com/profile/02425487318004630095noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-2455960041415786757.post-69713051590898660292009-12-06T11:53:00.000-08:002009-12-06T12:00:24.159-08:00Polux & Castor - conto<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjgMDa3uqQZEpAMzNuuRqzyt0adSL6QejrZwt7J0ceOAyDuciH_ag2nAAaM4qpn9wIgw5gaY5w8fLPz-S_ISWl4oSLLdK3IueP6S9OLfoRM6AkkgG35xP9Yi3uVlSlB9MlAEZCq0MWYQfk/s1600-h/poluxCastor-blog.bmp" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" er="true" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjgMDa3uqQZEpAMzNuuRqzyt0adSL6QejrZwt7J0ceOAyDuciH_ag2nAAaM4qpn9wIgw5gaY5w8fLPz-S_ISWl4oSLLdK3IueP6S9OLfoRM6AkkgG35xP9Yi3uVlSlB9MlAEZCq0MWYQfk/s400/poluxCastor-blog.bmp" /></a><br />
</div><div style="text-align: left;"><strong><span style="font-size: large;">S</span></strong>entado no alto do edifício da Galeria São José, Polux tentava entender a visão que tinha sobre os horizontes em constante sépia avermelhado. Era uma librina de grãos de terra suspensos, formando uma grande redoma de poeira, uma paisagem que ecoava tempos primitivos da Terra e, logo abaixo, a cidade cindida entre córregos, cerrados e um agosto que terminava no finalzinho de outubro. Às vezes, Campo Grande parecia um barco à vela assustado e naufragando sob estrelas gargalhantes do hemisfério sul. <br />
<br />
Pensava Polux: o tempo é irreparável, nasci na extremidade errada dele e tenho que viver detrás pra diante...<br />
</div><div style="text-align: left;"><strong>Os</strong> gêmeos nasceram num outono de ventania, sob um céu absurdo e na parte nodosa do dia. A mãe vivia sozinha sobre a margem terrosa e áspera do rio Inhanduí-Guaçu. Maria era uma mulher singular, de muitos amores e pouca idade. Casou-se com dezoito anos e logo ficou grávida. Numa manhã de nuvens baixas, Maria lavava roupa à margem esquerda do rio, cantava com águas bebendo da vida lentamente quando chegou para degustação um homem purificado de natureza bravia e que dizia palavras com amplos sentidos. Era um ser metafórico, que pescava naquele rio e seduziu a moça com precisão e paixão. Irrompendo com a ordem natural dos acontecimentos Maria teve dois filhos, cada um de um pai e ao mesmo tempo. Múcio, seu marido, pai de Castor e progenitor de Polux, fazia um trio musical com paraguaios - tocava harpa na churrascaria “Lá carreta”- ficou profundamente abalado com a situação, triste e foi embora para o Paraguai.<br />
</div><div style="text-align: left;"><strong>E</strong> nas sendas do cerrado, onde mangueiras espionam sobre muros, os meninos cresceram juntos. Se amavam como irmãos e conheciam igualmente as razões inconsoláveis de todos os prantos. Artistas de corpo e alma, de mambembes espetáculos pelas calçadas e praças da cidade, os gêmeos sobreviviam desta arte. Polux morava no Grande Hotel Gaspar, tinha gosto por vinhos e charretes – vagava pela cidade de sul a leste.<br />
</div><div style="text-align: left;"><strong>N</strong>a diurna exultação, o quarto de luz amputada pela cortina; no segundo andar do hotel, um bem-te-vi bate o bico contra a vidraça, xícara e restos de alimento sobre a mesa, onde sombras distorcidas de formigas rondam em procissão. Sonolento, Polux se levanta e sua rotina, antes do irmão chegar, era contemplar pela janela do quarto a estação ferroviária, chegadas, partidas e algo miraculoso nas manhãs alaranjadas, onde pássaros explodiam em sons pela esplanada.<br />
</div><div style="text-align: left;"><strong>C</strong>astor morava distante do centro da cidade e no meio de um guaviral; tinha oito filhos com a mesma mulher, que se chamava Maria como sua mãe. A família tirava mel das flores de mirtáceas através das abelhas que cultivavam. Qualquer grande esperança é grande engano - pensava Castor - somos peregrinos de uma existência absurda de agonia e lágrimas sem sentido ou glória!<br />
</div><div style="text-align: left;"><strong>À</strong> noite, velas soltam lágrimas aprisionando mariposas no escuro crespusculado dos grilos e, na alvorada do dia, nuvens calmas e aves se reúnem sobre aquele nicho de homens, formigas, bocaiúvas, araticuns e um fogão de lenha recém-aceso. Era quando Castor tinha surto de imaginação ante ao bule de café. Assistia uma gota de orvalho se equilibrando na haste da bananeira, o gato afiando as garras, os filhos dormindo e o mundo girando. Indignação extinta, ressaca vaga, vinho, remorso e um desejo exaltado de pensar forte e de nunca morrer. Castor era ave noturna, abria as auroras e fechava as escuridões, sabia que sua herança era canga pesada, criar os filhos e viver como um mortal. Costumeiramente, encilhava o cavalo para a charrete e seguia em troteada para o centro da cidade onde encontrava com o irmão Polux em frente da Estação Ferroviária. Semeadores enlevados de harmonia, além das paixões terrenais, tinham encanto de deuses gregos que ficou gravado num fotograma no céu noturno de gêmeos.<br />
<br />
</div><div style="text-align: left;"><strong>P</strong>olux balançava as pernas sobre os dez andares do edifício da galeria São José, tinha presságios enquanto assistia nuvens lutulentas que pairavam sobre a profusão de pessoas que se aglomeravam ao longo da Rua 14 de julho até o relógio central. Castor organizava o povo que olhava o relógio e cobrava em coro a decisão de Polux saltar. – Salta! Salta! Salta!<br />
<strong>S</strong>altou sem se benzer, por entre aplausos e emoções... Desceu os dez andares num silêncio de quem já morreu. Bateu na calçada e, por alguns segundos, ficou inerte, parecia que a vida tinha se apagado mas, de repente, ele se mexeu, sorriu, levantou, sacudiu a poeira e o aplauso em volta muito mais cresceu. Polux e Castor passaram o chapéu recolhendo o dinheiro que a platéia deu. Depois, seguiram abraçados, como sempre, rumo à Praça Ary Coelho, onde a charrete ficava estacionada.<br />
</div><div style="text-align: left;"><br />
</div><div style="text-align: left;"><span style="font-size: x-large;"><strong>fim</strong></span><br />
</div>blog da domesticahttp://www.blogger.com/profile/02425487318004630095noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-2455960041415786757.post-14278486647076693632009-11-20T14:23:00.000-08:002009-11-20T14:39:33.505-08:00As noites de Maria Calíope - conto<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhK6e2E6A49Vm7dPT-TRihXnWN9KR_xV1RWhgHeessFhubJin8w6GlYRYLhD-fdG8f2j0Ji5l_GHoZNKvoAPffI7Yn11aQnvjhn_bcFd2WEhKujB7fDfXKr3jsEb33TrGhEU3ZFJo_bEdY/s1600/as+noites+de+Maria+Cpe-Blogdomestica.bmp" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhK6e2E6A49Vm7dPT-TRihXnWN9KR_xV1RWhgHeessFhubJin8w6GlYRYLhD-fdG8f2j0Ji5l_GHoZNKvoAPffI7Yn11aQnvjhn_bcFd2WEhKujB7fDfXKr3jsEb33TrGhEU3ZFJo_bEdY/s400/as+noites+de+Maria+Cpe-Blogdomestica.bmp" yr="true" /></a><br />
</div><br />
<div style="text-align: left;"><span style="font-size: large;">A</span>quele chão vermelho e o céu sépia, durante os dias, se entrelaçavam entre as noites desconcertantes com estrelas e luzes distantes. Todos os dias de sua vida ela cruzou a fronteira do Brasil com o Paraguai onde lecionava português e música para jovens de uma reserva indígena. E todas estas noites de sua vida foram iluminadas por uma harmonia profunda e criaturas desconhecidas, talvez somente imaginadas por ela durante todos os anos que viveu. Sua natureza abstrata e lógica dava-lhe o prazer de desvendar e interagir com o universo físico, assim como ela mesma. Também acreditava que a matemática era o pilar que dava sustentação para compreender e entender o mundo.<br />
</div><div style="text-align: left;">Todas as manhãs o sol despejava pacotes de luz sobre os pobres telhados de barro, muros corrompidos e vegetações secas, criando sombras soberanas pelo chão duro e empoeirado. Maria contava as nuvens ralas enquanto caminhava por aquela estrada sem brandura, que levava à escola rural. Ela ensinava quase tudo para aqueles jovens - além de música e de português, falava de filosofia e ciências. No fim do dia voltava só novamente e seus passos exatos eram seguidos pelos corpúsculos da tarde até a linha da fronteira, onde, misteriosamente, paravam alguns segundos, como uma ataxia do tempo, deixando Maria anoitecer do outro lado, dentro de casa. <br />
</div><div style="text-align: left;">Guardadora de estrelas e com um sorriso de melopéia, Maria Calíope iluminava de sons e luzes toda a rua, moldando as noites de eventos atemporais e mimos em forma de iguarias como sonhos, rabanadas, esquecidos, nuvens e pudins cujas receitas foram trazidas pela avó da terra natal. Os visitantes chegavam com a noite e saíam ao amanhecer. Traziam notícias de acontecimentos notáveis e relatavam suas imprecisas vidas ao redor deste mundo singular. Dissolviam-se as madrugadas em palavras, ruídos, chás e doces. Os poucos moradores e vizinhos que viviam próximos àquela pequena casa de madeira avarandada nunca viram nada anômalo, exceto luzes de cores variadas e sentiam o cheiro dos doces portugueses.<br />
</div><div style="text-align: left;">A cozinha era o maior cômodo da casa: fogão de lenha e forno, latas cobertas com picumãs, onde guardava os cereais e biscoitos. Quatro cadeiras e mesa de madeira sempre coberta por singelas decorações de flores secas com fuligem e toalha xadrez. Por alguns anos, tempo da adversidade e mocidade, ela compensava a falta de afeto com delírios e doces, junto daqueles que chegavam com a noite.<br />
</div><div style="text-align: left;">Em dezembro de 1989, quando completou quarenta anos, nesta mesma noite recebeu uma visita fora do padrão, um espectro de aparência vã. Pasmada entre o medo e o desejo, se perdeu em fluídos e logo deixou o medo por uma paixão atemporal. . Ela o chamou de “Sem Forma” e o via através do espelho, que ficava ao lado da mesa na cozinha. Mulher madura e versada, amava com intensidade e havia resolvido problemas de solidão e conflitos. Instinto atávico de mãe, trouxe-lhe um filho que adotou na reserva indígena onde dava aulas. Sob os seus domínios de perfeição, o ardor dos sentimentos pelo menino e também pelo amante era de tal intensidade que lhe consentia extravagâncias utópicas. Suppé tinha aspecto exterior indígena, cabelos longos e inteligência musical simétrica, que lhe evocavam aspectos de felicidade, um legado de Maria Calíope ou da singularidade da sua mente.<br />
</div><div style="text-align: left;">Sombras de nuvens correm pelo chão formando algodões sépia sobre a fronteira. Flores brancas de mirtáceas rudemente pintadas com poeira montam sua guarda pelo caminho onde nada passa, a não ser cascavéis e, ocasionalmente, mensagens zumbindo pelos fios telegráficos. Suppé, em passos lorpa, segue rumo ao Paraguai é a primeira vez que ele arreda os pés do território de sua mãe. Então, aquela tarde – como um bicho - começou a ter pensamentos incessantes e, por mais de vinte minutos, sinapses elétricas salpicaram a paisagem que, castigada pelas descargas, incendiava os coqueiros torrando os ninhos de papagaios. O garoto não entendia nada sobre tempestades, sobretudo elétricas, e continuou sua rota rumo ao Paraguai. E logo foi atingido por um daqueles estalos secos, que o jogou fora da estrada. Respiração arquejante, Suppé abre os olhos, vê nuvens negras que se movem, o fogo e os fios do telégrafo num céu surdo. Insiste em movimentar o corpo, perdera os movimentos, mas ainda ouve o coração batendo apressado dentro da cabeça que dói, latejante.<br />
</div><div style="text-align: left;">Maria Calíope, atônita, observa a tempestade de raios pela janela da casa. Sua mente excitada procura uma solução e lembra que possuía predisposição genética que contrariava a razão e as experiências vividas quando tinha três anos de idade e foi atingida por uma descarga elétrica de alta voltagem. Instantaneamente, ela precisava fazer uma viagem empírica pelo fio do telégrafo, achar Suppé e trazê-lo em segurança para casa.<br />
</div><div style="text-align: left;"> A mulher era uma criatura humana e estava condicionada a pensar no tempo como um rio que flui, segue sua rota e não volta. Agora, ela em desespero corria pela casa e pedia uma solução ao céu. E veio pela antena parabólica, que ficava sobre o telhado. Uma cabal corrente elétrica, como um projétil, incorporou seu corpo embrenhando-se pela tomada e fios da casa. Ponderada e analítica, sua mente precisa percorreu, em milésimos de segundo, toda aquela fronteira oolítica que queimava ao vento seco. A matemática mais uma vez foi a salvação, através da música de timbre cristalino que ela tocava pelos fios dos telégrafos. Suppé ouviu seu chamado, sua canção, como um ninar cujas notas eram tiradas dos fios acima do seu corpo, que respirava poeira e continuava inerte no solo. <br />
</div><div style="text-align: left;">Apesar da severa desordem dos músculos e de seu raciocínio, a música modulada foi decodificando em sua mente confusa o que havia ocorrido. Passos incertos, corpo magoado e com uma terrível dor de cabeça ele retorna para casa. A noite chegou e com ela também veio a ordem na fábula que lhes pertencia e assim, demasiados, os três viveram mais de mil noites extraordinárias, que contagiavam a paisagem revestindo-a de mistérios e dias ensolarados, onde as horas batiam lentamente no limiar da escuridão. <br />
</div><div style="text-align: left;"><br />
</div><div style="text-align: left;"><span style="font-size: large;">Epílogo</span><br />
</div><div style="text-align: left;"><br />
</div><div style="text-align: left;">Maria Calíope foi professora por toda sua vida, que durou pouco. Acreditava que o alicerce do pensamento tinha início como o Big-Bang. Impelida à solidão, desenvolveu obesidade e diabete, que a levaram à morte. Na cozinha não havia espelho e sim fogão de lenha e forno, latas cobertas com picumãs onde guardava os cereais e biscoitos. Quatro cadeiras e mesa de madeira e um velho aparelho de televisão. Ali a mulher passava as noites comendo doces portugueses, assistindo a filmes antigos. Sozinha. Partiu para encontrar sua última ilusão no dia do seu aniversário de quarenta anos. Os olhos abertos e cravados no aparelho de televisão que, ligado, captava ecos do Big-Bang. Seu filho Suppé, que não era um índio, desapareceu um dia antes na fronteira do Brasil com o Paraguai. De resto nada existiu.<br />
</div><div style="text-align: left;"><br />
</div><div style="text-align: left;"><strong>fim</strong><br />
</div>blog da domesticahttp://www.blogger.com/profile/02425487318004630095noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-2455960041415786757.post-69024470955594234212009-11-12T15:01:00.000-08:002009-11-12T15:01:20.583-08:00Papoula solitária - conto<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiiKFtu9tht7DkUVqFM-TemDl_WOApokoCJBxyoZO78ISDgXZxm8G99Gstv7_xXFJET0yho_DwIiGZXWBrYHjsTSXSuXSVGtKy8Kz5JsS24yx4_VdtkddZ93zRDvxD7jI6TksPAFHuFtqI/s1600-h/papaula+solit%C3%A1ria-conto.bmp" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" sr="true" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiiKFtu9tht7DkUVqFM-TemDl_WOApokoCJBxyoZO78ISDgXZxm8G99Gstv7_xXFJET0yho_DwIiGZXWBrYHjsTSXSuXSVGtKy8Kz5JsS24yx4_VdtkddZ93zRDvxD7jI6TksPAFHuFtqI/s400/papaula+solit%C3%A1ria-conto.bmp" /></a><br />
</div><div class="separator" style="clear: both; text-align: left;"><span style="font-size: large;"><strong>E</strong></span>ra como um sonho, no qual eu voava ou caía no vazio do espaço. Sentia beliscões pelos braços e pernas quando passava dentro de nuvens escuras. Despertei estonteado, pasmado e com os olhos colados num teto repleto de teias de aranhas e picumãs. Ouvia vozes por detrás das paredes e não conseguia distingui-las. O quarto girava e o ventilador de teto estava parado. Permaneci deitado por alguns instantes, pensamento lento e corpo pesado – era como um sonho dentro de outro sonho -, pensava que poderia acordar a qualquer instante!<br />
</div><div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">Pelo lado de fora, um alarido de sol e gente que circulava pelas estreitas ruelas com casinhas construídas com um tipo de tijolo artesanal – adobe -, pintadas de branco. Saí daquele quarto desconhecido pela janela enorme que dava para a rua. Pessoas pararam em minha volta e eu não entendia nada - falavam espanhol com diferente pronúncia. Da casa onde acordei saiu uma mulher que se dirigiu a todos que se aglomeravam.”El hombre cayó desde el cielo!” – disse ela sorrindo. Tinha um rosto redondo, cabelos lisos brancos e pouco mais de 50 anos. <br />
</div><div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">“Tengo que regresar a sus alas. Buenos días a todos” – segurou na minha mão e puxou para dentro da casa novamente.Era uma espécie de pousada rústica com alguns quartos e pouco hóspede. A mulher, a senhora com sorriso largo, devia ser a proprietária. Eu ainda não sabia qual lugar era aquele e nem porque estava ali. Confuso e intrigado, comi tudo o que estava sobre a mesa. Algumas crianças com aparência indígena olhavam curiosas pela janela. Mais uma vez a mulher se aproxima e pergunta alguma coisa: “ Hombre del cielo, como la comida?” – parou em minha frente, continuou sorrindo e novamente perguntou outra coisa, fazendo gesto de cigarro até a boca: “El hombre quiere a la marihuana? Sem respostas de minha parte, a mulher se retira cantarolando. Abre uma janela e fala gritando com alguém, ”niño, llevar las alas del hombre!”. Momentos depois entra um garoto carregando um paraquedas todo enrolado e sujo. E tudo virou um enigma novamente. O apetrecho não era meu, apenas havia sonhado que voava por entre nuvens e acordei em um pequeno quarto no fim do mundo. Voltei a dormir com a esperança de acordar daquele velado devaneio.<br />
</div><div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">Dois dias de sono pesado, sem sonhar e como um morto passei. No final do segundo dia acordo disposto e com muita larica. Procuro pela mulher de sorriso largo, que já me esperava com uma refeição sobre a mesa da sala. Sempre cheia de cordialidade, ela faz gestos com as mãos, olha para a mesa e diz algo: “Compuesta de Quínoa, arroz, camote, carne de pollo y carne de llama. Auquénido andino.” Depois se retira, sorrindo.<br />
</div><div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">A noite caiu como uma lavoura de papoulas sobre aquele lugar árido, cujo ar salgado era difícil de respirar. Saí rumo a um deserto que iniciava no final da rua. A paisagem primitiva era estranha aos meus olhos, havia centena de animais desconhecidos pastando e as primeiras estrelas no horizonte. Carregava o paraquedas que não era meu, alguns cigarros de maconha e pensamentos obscuros. Caminhei fumoso noite adentro e, ao fim, estava exausto no meio de um deserto avermelhado. Havia uma mão gigante esculpida em sal e areia e foi neste lugar que escrevi meu nome, história e deitei-me à sombra daquela palma.<br />
</div><div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">O dia chegou novamente, minha percepção estava alterada e o sol parecia o rosto risonho e escaldante daquela mulher... Mi nombre es Ramona. Mi casa está en la ciudad fantasma. Deserto de Atacama, San Pedro. Me encontré con el hombre que cayó del cielo. Era un buen hombre. Pero era demasiado loco. Fumaba 2 libras de marihuana. La marihuana ha hecho bien en su carne. Se lo comió asado con hierbas. Sabroso!<br />
</div><div class="separator" style="clear: both; text-align: left;"><strong>fim</strong><br />
</div>blog da domesticahttp://www.blogger.com/profile/02425487318004630095noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-2455960041415786757.post-74922566935221966982009-11-11T14:05:00.000-08:002009-11-11T14:05:48.686-08:00Amanhecer - Papel de parede<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhfdMXc4_QaJmE_ZVLwAAgVfZXE77NfkfJoPUPhxgDTC5JS323YUzF711WfeuMaFyFOmJJC_NgHRWNSRShrZYCSt0DKKzfkdKmD3o2v_9weG9cGsWKrEsF3Y-bB2eYtiELtmAG10ZhdRQs/s1600-h/blogdadomestica-Sky.bmp" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" sr="true" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhfdMXc4_QaJmE_ZVLwAAgVfZXE77NfkfJoPUPhxgDTC5JS323YUzF711WfeuMaFyFOmJJC_NgHRWNSRShrZYCSt0DKKzfkdKmD3o2v_9weG9cGsWKrEsF3Y-bB2eYtiELtmAG10ZhdRQs/s400/blogdadomestica-Sky.bmp" /></a><br />
</div>blog da domesticahttp://www.blogger.com/profile/02425487318004630095noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2455960041415786757.post-46058127621853152552009-11-03T14:41:00.000-08:002009-11-03T14:41:23.330-08:00NovembrO - Papel de parede<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjYIslNyBFYw59EQKY81rPRiNoiLt6kIcfH6-ask6_6Fd1OfQxq6Gjch8-SNhJWZuS5VKqFpWzDP3TsLR0hyxq_17n16zkFQEwPdiVBLg47uODwI9M6rpnG47EwkmiciajAAky9GCuzJWs/s1600-h/novEmbro-blog-papel+de+parede.bmp" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjYIslNyBFYw59EQKY81rPRiNoiLt6kIcfH6-ask6_6Fd1OfQxq6Gjch8-SNhJWZuS5VKqFpWzDP3TsLR0hyxq_17n16zkFQEwPdiVBLg47uODwI9M6rpnG47EwkmiciajAAky9GCuzJWs/s320/novEmbro-blog-papel+de+parede.bmp" vr="true" /></a><br />
</div>blog da domesticahttp://www.blogger.com/profile/02425487318004630095noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2455960041415786757.post-84576930338655190542009-10-31T06:52:00.000-07:002009-10-31T07:11:14.483-07:00Céu líquido - conto<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhPAXNLzSGWBXMUJViHzm-8AviBhzmmDsO_Gav3n-SOFTd6YEBMfwcuMxDGmBBd4nVSnWxi-srvWr2oL8NKtWQIyc3EVUJI8Ww74pKbllcEpxMTABCCSU9uE6P5AcM52PNh1tA44vuJlM8/s1600-h/liquidSky+-blogdomestica.bmp" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhPAXNLzSGWBXMUJViHzm-8AviBhzmmDsO_Gav3n-SOFTd6YEBMfwcuMxDGmBBd4nVSnWxi-srvWr2oL8NKtWQIyc3EVUJI8Ww74pKbllcEpxMTABCCSU9uE6P5AcM52PNh1tA44vuJlM8/s400/liquidSky+-blogdomestica.bmp" vr="true" /></a><br />
</div><div class="separator" style="clear: both; text-align: left;"><span style="font-size: large;"><strong>A</strong></span> oeste de Mato Grosso do Sul os morros elevam escarpados e há vales com matas cerradas nas quais nunca um ser humano esteve. Existe uma vegetação atípica, que margeia a única estrada de areia onde árvores se inclinam fantasticamente e finos regatos escorrem do alto das pedras. Ao longo dessa estranha estrada de areias douradas há uma dezena de fazendas, com casinhas feitas de madeira, onde o mato de São Caetano percorre as cercas e paredes, dando a impressão de que estão todas abandonadas e que ainda guardam antigos segredos. <br />
</div><div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">Os jovens moradores sempre vão embora. Os velhos continuam no lugar. Esta região não é boa para a imaginação e também não traz sonhos repousantes à noite. E, talvez por isso, este vale quase nunca é visitado por alguém. Outrora havia uma outra estrada, que vinha sobre as colinas e se encontrava com a estrada das areias de ouro. E, justamente neste encontro, formava um pequeno lago onde patos selvagens viviam.<br />
</div><div class="separator" style="clear: both; text-align: left;"> Hoje, é apenas um pavoroso pântano, repleto de jacarés, cobras, mosquitos e cercado por morros, onde o céu alcança em tom sépia, dando a impressão que ali estão enterrados segredos dos dias estranhos que se passaram. O silêncio era excessivo nas noites que começavam mais cedo e, às vezes, se ouviam uivos de lobos ao longe, ou melhor, ecos nas colinas.<br />
</div><div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">1.900 e a guerra do Paraguai havia terminado. Quase todas as famílias que viviam ali foram embora e algumas outras chegaram. Ao lado direito do velho pântano arenoso tinha um enorme e retorcido carvalho seco, que balançava sinistramente ao vento. Segundo os moradores, aquele carvalho balançava mesmo sem vento algum. Atrás dele ficava a fazenda de Ramona, uma refugiada da guerra que ali se aportou. Ela nunca pensou em deixar aquele vale estranho. Aquele lugar sinistro combinava com a aparência de Ramona, sempre carrancuda - seus cabelos longos e brancos davam uma visão surrealista de sua figura atarracada mestiça com chiquitanos (índios bolivianos). Contudo, era uma espécie de matriarca da pequena comunidade.<br />
</div><div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">Foi no quinto dia do mês de agosto que o horror eclodiu. A chuva despencou por toda tarde. No início da noite haviam ruídos estranhos e os cães latiram freneticamente. A madrugada foi invadida por um odor insólito. A chuva passou era 6 horas. Laguna, o ajudante contratado por Ramona para trabalhar na fazenda, voltou numa correria alucinada de sua jornada matinal à estrada de areia com as vacas. Ele estava quase convulsionando de pavor quando entrou, esbarrando em tudo que havia na cozinha, enquanto diante do fogão Ramona ficou a olhar sem palavras. Laguna tentou balbuciar sua história.<br />
</div><div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">- Os anjos, os anjos, eles estão morrendo! Ramona não espera a narração, uma vez que o rapaz tem problemas na fala quando fica nervoso. Saiu em disparada, seguida por Laguna, e foram até a casa do velho Barbalho, um sujeito magro que criava porcos e tinha os dentes enormes de cor ocre. O velho Barbalho já passava dos 100 anos e vivia com sua mulher, uma negra fugitiva de um quilombo, conhecida por Abá. Eram os vizinhos mais próximos.<br />
</div><div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">Os quatros saíram em direção à estrada de areia. Ninguém disse uma palavra - o céu estava escuro, corriam baixas nuvens apesar de ainda ser manhã. Dois quilômetros para a frente da fazenda de Ramona, onde passava a estrada velha, tinha um lugar que os antigos moradores denominavam “mesa dos anjos”, que para Ramona soava um tanto excêntrico e teatral - ela relutava contra as crendices daqueles vizinhos. <br />
</div><div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">Mas, de certa forma, a “mesa dos anjos” guardava mistérios da terra primitiva. Não havia vegetação de espécie alguma numa extensão de cinco quilômetros; apenas cinzas ou uma poeira fina cinzenta que nenhum vento parecia soprar. As árvores próximas eram doentias, mirradas e havia muitos troncos pelo chão.<br />
</div><div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">-Está lá - disse Laguna, apontando o dedo em direção à “mesa dos anjos”. O velho Barbalho arregalou os olhos, sempre amarelados, puxou a mulher pela mão e gritou.- Isso é coisa dos traficantes!<br />
</div><div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">Todos olharam com espanto para seis corpos desossados e sem cabeça no centro da ravina seca. Tinham aparência humana, mas eram criaturas aladas. Os alucins, como ficaram conhecidos, viviam ali desde muito antes. Ramona e seus vizinhos preservavam o segredo de mantê-los afastados da civilização, uma vez que estavam em extinção. Estes seres tinham como uma evolução asas, que na fase adulta atingiam até 2 metros de envergadura. Eram dóceis e tinham os dois sexos numa só criatura. Sua procriação era evoluída e controlada, uma vez que os Alucins estavam fadados a um triste fim, levados pela ganância de alguns homens. A carne e as vísceras eram uma espécie de droga alucinógena, complexa e potente para seres humanos que pagavam altos valores por um pedacinho desses anjos...<br />
</div><div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">- foram os traficantes sim. Agora estão extintos! – disse Ramona chorando.<br />
</div><div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">O velho Barbalho, sua mulher e Laguna ficaram de joelhos em volta dos corpos desossados, sem cabeça e sem asas, numa prece em transe.<br />
</div><div class="separator" style="clear: both; text-align: left;"><br />
</div><div class="separator" style="clear: both; text-align: left;"><span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;">fim</span><br />
</div><div class="separator" style="clear: both; text-align: left;"><br />
</div>blog da domesticahttp://www.blogger.com/profile/02425487318004630095noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2455960041415786757.post-15790922914107792782009-10-25T12:29:00.000-07:002009-10-26T12:30:48.598-07:00Depois da chuva - wallpaper<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjTu1yl6YaonKhamvXI-7hjWc_UTHuuDhRzpjgYGsum7EAAvdGO5Cj1naVMVe8ybYS5mPZ39Rs_W1q5zo_2ho2x0NdQrvAJ0elSn2fh34YFmNksAWnjQ67L6mZk1ln_i-4-7WiSHDqjivk/s1600-h/tardespantaneiras-xaraes..bmp" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"></a><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjLphCmgxxVMfsYmLNFYHQ4T5TrTf8rA2ovKXuvm997jTYyvuZqqKO1j_yb7pGbSS4FrQrGHPcZQg6X7PHFTtCWBFf_KSrwhi6y05qCq50t_qyPWU4gCOLOq3f9_Lr4JnR7X1OyL4w-7h0/s1600-h/tardespantaneiras-xaraes..bmp" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjLphCmgxxVMfsYmLNFYHQ4T5TrTf8rA2ovKXuvm997jTYyvuZqqKO1j_yb7pGbSS4FrQrGHPcZQg6X7PHFTtCWBFf_KSrwhi6y05qCq50t_qyPWU4gCOLOq3f9_Lr4JnR7X1OyL4w-7h0/s400/tardespantaneiras-xaraes..bmp" vr="true" /></a><br />
</div>blog da domesticahttp://www.blogger.com/profile/02425487318004630095noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2455960041415786757.post-34836323513488215952009-10-22T10:14:00.000-07:002009-10-22T10:20:50.732-07:00Uma história,quase,mágica - 2 - conto<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhY9_EE0qQNMb6JJh5ZenJ4PZlbqoOtIivSprW2jM0sEMKh6QRUx3VAJnQSuwWh5FDpS6W3bZ4jIU2kD0C29wpuLJMsftG_z6FC4IzIvlrmxKwFBwR4Fd1uW83FN2oCht9dEs3EzsB1A8A/s1600-h/Uma+hist%C3%B3ria,quase,m%C3%A1gica-blog.bmp" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhY9_EE0qQNMb6JJh5ZenJ4PZlbqoOtIivSprW2jM0sEMKh6QRUx3VAJnQSuwWh5FDpS6W3bZ4jIU2kD0C29wpuLJMsftG_z6FC4IzIvlrmxKwFBwR4Fd1uW83FN2oCht9dEs3EzsB1A8A/s400/Uma+hist%C3%B3ria,quase,m%C3%A1gica-blog.bmp" vr="true" /></a><br />
</div><div class="separator" style="clear: both; text-align: left;"><span style="font-size: large;"><strong>N</strong></span>asci para conquistar um mundo de coisa alguma, passei minha infância trocando de emprego e, antes de completar os 12, já era guardião de uma plantação de melancias. Dizia seu Trosso, o meu patrão, as melancias precisam ser vigiadas porque existem muitos chupins naquela roça ao lado. Vivendo e aprendendo. Nunca pensei que um chupim tivesse a capacidade técnica de furar a casca dura de uma melancia! Pois não tinha. Porém, os pássaros tinham o trabalho de avisar o verdadeiro ladrão de melancias.<br />
</div><div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">Sentado, dias após dia debaixo de um jatobá, percebi que as formigas faziam procissão na beirada da tarde e que o verdadeiro ladrão era um tal de João Rola-flor. Um poeta e sábio, não sabia escrever nem o nome, mas tinha a habilidade de tecer barbante com orvalho – Rola-flor foi meu primeiro mestre.<br />
</div><div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">Fiz sociedade com João Rola-flor e fomos rumo à fronteira do Paraguai. Na bagagem levei duas melancias e, meu sócio, uma sacola com dinheiro novinho – que ele mesmo havia feito na máquina de tirar cópias. Homem santo e de bom coração, comprou um chevrolete 51, caindo aos pedaços, somente pra ajudar a Igreja de Encarnacion. Depois, seguimos caminho para o Chaco, passamos por uma dezena de vilarejos, onde a indigência e os cachorros eram atrações principais. <br />
</div><div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">João Rola-flor tinha planejado tudo em sua mente brilhante: usando o dinheiro novinho da sacola, poderíamos comprar cachorros e, assim, ajudar aquele povo sem versos. Pagávamos a mercadoria com uma nota de 50, novinha. Tinha troco de 20, porque o custo do cachorro era 30 - eu era o contador, mas não entendia porque comprar cachorros... Rola-flor dizia: somos anjos e ajudamos estas pobres criaturas. Cuide bem desses trocos!<br />
</div><div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">Assim fomos até Fortín Florida, lotamos o velho chevrolete com cachorros magros, com fome e sede - foi uma época difícil em minha vida. O dinheiro novinho da sacola havia acabado, então restavam os trocos dos cachorros. Eu e João comíamos um pedaço de sopa paraguaia por dia. Os cachorros queriam comer e beber; o velho chevrolete tinha fome de óleo diesel e tinha também dois homens da polícia querendo prender meu sócio - tudo tinha, até dor de barriga por ter comido jatobá com água de chuva.<br />
</div><div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">A justiça podia até ser inconexa e condenar um homem por ter feito seu próprio dinheiro, mas nunca mediria o grau de bondade anexado àquele coração. Fugimos de volta pra casa, era outono e o dinheiro que era o troco dos cachorros foi investido em comida para 48 cachorros.<br />
</div><div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">Recordo-me, com ternura, do vilarejo onde abandonamos os cachorros e também o velho chevrolete. Talvez, muito talvez, aquele lugarejo ganhou o nome de “Jaguaron” devido a este episódio.<br />
</div><div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">Voltei a vigiar a plantação de melancias tão pobre quanto antes, mas aprendi a ler pedras e quase tive um filho com aquele pé de jatobá. João Rola-flor virou um santo beberrão e vivia de benzimentos pra espinhela caída, dor de dente, enxaqueca de mulher e doenças da alma.<br />
</div><div class="separator" style="clear: both; text-align: left;"><br />
</div><div class="separator" style="clear: both; text-align: left;"><strong>fim</strong><br />
</div>blog da domesticahttp://www.blogger.com/profile/02425487318004630095noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2455960041415786757.post-51807232027075635822009-10-16T13:06:00.000-07:002009-10-16T13:06:17.839-07:00Uma história,quase,mágica - conto<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEicBsu1jJAA9dfz0a5t-_wUN-KvgC9J3bgZ4kIbvktxdy7R-AoaNYukc49xOSa04mgY8ejSV1hYpKCSI-Pc9W3m18o7AMknVooTD7T-50P6tK6QmaLNiCitwiV48nPcMndE3qOVzno4bRU/s1600-h/Uma+hist%C3%B3ria,quase,m%C3%A1gica-blog.bmp" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEicBsu1jJAA9dfz0a5t-_wUN-KvgC9J3bgZ4kIbvktxdy7R-AoaNYukc49xOSa04mgY8ejSV1hYpKCSI-Pc9W3m18o7AMknVooTD7T-50P6tK6QmaLNiCitwiV48nPcMndE3qOVzno4bRU/s400/Uma+hist%C3%B3ria,quase,m%C3%A1gica-blog.bmp" vr="true" /></a><br />
</div><br />
<br />
<span style="font-size: large;"><strong>T</strong></span>arde de brasa em fogo, que queimava com cigarras ensandecidas. A noite era uma imensidão escura, salpicada pelas pálidas luzes que vinham das estrelas. Na madrugada, as teias de aranha viravam vidros nas pastagens urinadas pelo orvalho. E assim eram os dias daquele lugar. O mato tomava conta das casas e, na rua principal que findava na igreja, havia um beco que começou a mancar de uma perna. Foi justamente no dia em que Caranguejo chegou. Ele ganhou este apelido porque andava feito caranguejo quando perde uma perna. Era um sujeito que não tinha origem de nascimento, nem carteira, nem dente e tudo que o povo daquele lugar sabia sobre a pobre alma é que era bondoso e cheirava a flor de copo-de-leite – igual a morto. Ajudava no açougue, cortava lenha, levava recados e, às vezes, obrava no beco que mancava de uma perna.<br />
O lugarejo incorporou o velho andarilho e, assim, foi por muitos anos. Caranguejo vivia nos fundos da carvoaria, lugar que sempre cuidou, onde escovava a boca e nunca trocou de roupas. Sempre a mesma calça, que ninguém descobriu ao certo que cor era.<br />
Sabia-se que tinha mais de 80 anos e chegado ao norte da ignorância. Seu lugar preferido era o beco que mancava de uma perna, igual a ele. Criatura ordinária, carregava nos bolsos coisas sem utilidade - tampas de vidros, rolhas, papéis amassados e escritos, sem importância divina. Quando as sombras avançavam pela estrada, Caranguejo sentia êxtase de espantalho, corria pros roçados e cantava com voz de tenor.<br />
Tudo era muito comum naquele lugar e as coisas só aconteciam nas noites de quinta-feira, inclusive o baile, para aquelas meninas anônimas que giravam pelo salão da igreja enquanto os mais velhos enfiavam pregos no escuro da noite. Dizem que serviam bolo de gengibre e suco de manga - eu nunca comi.<br />
Um tempo depois veio viver no lugarejo um homem letrado de plantas, que fazia santidades com sementes. Leboulegard comprou uma propriedade desativada e construiu um grande viveiro de plantas exóticas. Ele era francês, tinha hábito de beber vinho tinto e comer coisas estranhas como lesmas, tripas e caracóis. <br />
Logo passou a tarefa de separar semente para o Caranguejo. E, toda vez que uma manhã começava, lá descia homem rengo de uma perna rumo ao seu trabalho como separador de sementes.Com o olhar na fronteira do céu, que dava pra ver do seu quarto, ele fumava folha de bananeira enquanto enfiava coisinhas pelos bolsos da camisa antes de sair de casa. Na ocasião eu tinha 11 anos. Diversão pra um menino desta idade era fazer da palavra um brinquedo,pois isso facilitava meu trabalho, que era de mentir e inventar. Então, passei a cangar as tardinhas espionando o velho enquanto chupava manga e manuseava o pinto. Eu ficava sentado em cima daquele muro cariado por horas a fio. Lá eu anotava tudo.<br />
Numa tarde, Caranguejo atravessou a rua principal e foi direto para o beco. Com a exuberância de quem sabia morrer, fechou a boca pras palavras e os olhos para o eterno. Seu último pedido era que fosse enterrado no fundo da carvoaria, lugar onde viveu por algum tempo. E assim foi. Lembro me que foi um dia muito importante da minha vida e do morto também.Todos os moradores estavam no velório. Leboulegard, que era seu patrão, disse que seria melhor banhar o defunto e tirar aquelas roupas que já tinham atingido grau de cera. Ninguém quis fazer tal coisa. Entre a excentricidade e o misticismo o velho andarilho viveu e morreu.<br />
Numa das visitas que fiz ao túmulo de Caranguejo encontrei plantas, inúmeras plantas com pêlos nas folhas. Será que o velho virou planta, ou apenas um milagre normal? – poderia ser um esforço de poeta, ter virado planta!<br />
A cidade inteira, um tanto erudita, preferiu um milagre. Eu, que amo as coisas sem prestígios, preferi sonhar que o homem virou planta. Leboulegard, que tinha os conhecimentos em desageros, afirmou que suas sementes de morangos tinham sumido e que o velho andarilho esqueceu-as nos bolsos da camisa.<br />
<strong>fim</strong>blog da domesticahttp://www.blogger.com/profile/02425487318004630095noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2455960041415786757.post-14092614479358337992009-10-14T13:42:00.000-07:002009-10-14T13:42:09.210-07:00The lake of wine - papel de parede<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEife1QxtkguZSzvu-7byhcWfKZvqXR5gBXhI-7o6WirjUxMCBwI0UTuk8b_ufhikjpl4nhpAszsBEPb3IOjIJKoOqEdOY6CgaaS_a37V0Fz4AX_vF1s5cMaMveiiZXbQ7VNQlYc6gjU6q0/s1600-h/the+Lake+of+the+Wine-blog.bmp" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img $r="true" border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEife1QxtkguZSzvu-7byhcWfKZvqXR5gBXhI-7o6WirjUxMCBwI0UTuk8b_ufhikjpl4nhpAszsBEPb3IOjIJKoOqEdOY6CgaaS_a37V0Fz4AX_vF1s5cMaMveiiZXbQ7VNQlYc6gjU6q0/s400/the+Lake+of+the+Wine-blog.bmp" /></a><br />
</div>blog da domesticahttp://www.blogger.com/profile/02425487318004630095noreply@blogger.com0